se um
dia destes parar não sei se não morro logo,
disse Emília
David, padeira,
não sei se
fazer um poema não é fazer um pão
um pão que
se tire do forno e se coma quente ainda por entre as linhas,
um dia
destes vejo que não vou parar nunca,
as mãos
súbito cheias:
o mundo é só
fogo e pão cozido,
e o fogo é
que dá ao mundo os fundamentos da forma,
pão comprido
nas terras de França,
pão curto
agora nestes reinos salgados,
se parar não
sei se não caio logo ali redonda no chão frio
como se
caísse fundo em mim mesma,
a mão dentro
do pão para comê-lo
-disse ela.
-disse ela.
Herberto Helder "A Morte sem Mestre", 2014, Porto
Editora (p. 29)