I - Fuga, Passado e Estúrdia
De volta à Ponta Delgada de Quental, como de tantos outros que a souberam cantar, logo à chegada, a descrição do banco de Antero para explicar que nem sempre a vida é o que nos contam nas revistas cor de rosa. A história mil vezes repetida e como seria interessante reler agora os seus textos. Actualizar a sua verve, perceber as razões, as sombras e derivações do pensamento. A cidade está, no entanto, cheia de gente nas ruas, as lojas do centro ganham colorido e a temperatura de verão aconselha cuidados e demais estações improváveis. A Louvre Michalense é visitada debaixo de chuva, pois o passado é agora motivo de curiosidade e delicados encantamentos. O período é, portanto, das companhias de baixo custo, as pensões, pousadas e hotéis repletos e sem lugar, as pessoas e os táxis incansáveis à chegada do aeroporto. Quase não há carros para alugar e o inglês é a língua que se impõe e agita a vontade de ganhar dinheiro rápido. Algumas horas depois o derramar dos líquidos sobre a semente da amizade, desses amigos conversados pelas esquinas, espalhadas palavras e gestos por esplanadas, até à inesperada dormida no Hotel do Colégio. Pequenos luxos, quando o meio termo se esgota.
II - Aventura, Descanso e Partilha
O momento pede silêncio, aventura, descanso. E há autocarros que fazem o favor de nos transportar até às Furnas em viagem de pequenos e agitados momentos de sobe e desce. O centro da vila anuncia de imediato um lugar agregador do verde, de suculentas águas que escorrem até ao mar, desse permanente cheiro a enxofre oriundo das caldeiras. Eis-nos perante uma natureza luxuriante e exaltante. Tempo para ir a banhos quentes, relaxar os músculos, aproveitar os dias para caminhar pelo verde. No final do dia, há massarocas à espera bem como os dias da longínqua infância para recordar. Estar só, ouvir os próprios passos no asfalto, a música interior a povoar a mente e a paisagem. A noite para exteriorizar a beleza avistada, fazer deslizar o pensamento pelos papéis na mesa, enquanto se rabiscam palavras em papéis abandonados pelos bolsos, um miúdo loiro de olhos azuis, ciranda a mesa com curiosidade, clama a atenção. Refere a sua simpática progenitora que este também escreve, família de escritores e contadores de histórias do norte da Europa: a Noruega. A apresentação desloca-se para o cinema enquanto profissão, a escrita como representação, a valorização do simples acto de escrever. Revimos afinidades e marcamos encontro para o dia seguinte, o que se viria a concretizar. Reconhecemo-nos nessa partilha, trocámos palavras, gestos simples de culturas e modos diferentes de estar. Viajámos juntos.
III - Nuvem, Navio e Moinho
Nuvem, navio, moinho...como explicar o
movimento sem ficar parado? Como compreender que nos movemos apenas para
entender, saber um pouco mais sobre nós, sabendo que mesmo assim restarão
dúvidas, memórias, silêncios, escombros por explicar. A dupla de músicos
Medeiros e Lucas na Galeria Arco 8, a pontuar a ideia dos sábados felizes do
nosso contentamento. Alegria, evasão, sonho e música transmitida e expressa por
estes dois príncipes da Atlântida. desta feita acompanhados pelo Tó Trips. O
que se pode pedir mais aos músicos e à música quando esta é vivida e sentida?
Certo que pediremos sempre mais nessa barca que balança e se agita, que vai mar
adentro à procura do mais fundo de nós, até não mais parar. E por fim, antes da partida, um encontro com
gente dos países baixos, a planura holandesa com todas as bicicletas nas ruas, o rumo
difuso e sedutor das palavras com acento áspero, os trabalhos diários da mente, a psicoterapia enquanto tema de conversa, a forma
elegante e doce de nos movermos pelo final dos dias com todo o céu doirado. As
perguntas certeiras e o calor dos corpos. Os gestos serenos de quem tem tempo, a energia suave de
quem navega em rota segura sem percalços. O périplo finda, mas não cessa o
movimento.