quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Uma Missiva Para Janeiro antes de 2017 ir completamente para o Galheiro

Caro amigo Janeiro,

Agradeço-lhe, muito sinceramente, o cuidado e atenção epistolar evidenciadas dado que só o voltarei a ler em Fevereiro. Escrevo-lhe, pois, esta missiva antes de 2017 ir definitivamente para o galheiro. Sei o quanto aprecia as festividades e a respectiva quadra, muito embora alguém jamais o tenha visto vestido de Pai Natal ou a comer alguma sandes de rena mal passada com tons de vermelho. Do mesmo modo, que ninguém sabe onde é que o nosso amigo pára por esta altura ou mesmo conheça o seu real ou imaginário paradeiro. Será que é caso sério para que as altas instâncias do estado português possam averiguar? Houve, entretanto, algum fundo que lhe tenha sido atribuído para que pudesse desaparecer ou viver à grande sem que ninguém se tivesse apercebido?
O que é um facto é que também eu irei para fora cá dentro, tenciono assim acender a lareira apenas quando soarem as doze badaladas pois não quero desperdiçar os pequenos troncos e insignificantes brasas que ainda possuo. É minha intenção dedicar o serão a ver o filme "Não te Mexas, Morre e Ressuscita”, do realizador russo Vitali Kanevsky, certamente imbuído de algum espanto e perplexidade. Por essa altura, julgo receber em meus aposentos, sobretudo para uma discussão que se pretende acesa, o crítico francês Jean Marie François, a minha amiga e actriz russa, Elena Romanova, o operador de câmara sueco, Rob Förlund, o realizador polaco, Gyorgý Rossinsky, ou, ainda por confirmar, a presença da antiga deputada italiana, Anna Pescara. Nenhum dos convivas reconhece o que é um prato de “roupa velha”, o que será uma completa surpresa na degustação deste opíparo repasto que terá muita discussão cinematográfica à mistura.
            Malgrado que o meu amigo Janeiro se irá escapulir pelo mês homónimo adentro e, por isso, já tremo e suo como varas vergadas só de ressacar pelas suas ternas e delicadas missivas. E logo agora que nos encontramos a viver os melhores anos das nossas vidas, o momento em que estouramos com todos os indicadores económicos já que todos afirmam o que seria de todo impensável para este povo sem grandes hábitos de leitura – “somos os novos nórdicos da Europa”. Conseguimos assim transformar as nossas fraquezas em inacreditáveis forças pois quem diria que iríamos colocar uma parte considerável da Europa, dita rica e avançada, a rapar e lamber pratos de migas e açorda, esses manjares associados à austeridade alentejana, isto é, lusitana.
            Deste modo, despeço-me do meu caro amigo com a certeza de que tudo irá correr como o previsto e, caso não aconteça este milagre económico tão almejado, espero que pelo menos nos possamos encontrar numa dessas fajãs da costa mais ocidental da Europa para continuar a preparar as mais que aguardadas conferências, impossíveis de parar dada a minha inconcebível teimosia.
Com a mais forte pujança dos abraços e a riqueza das favas por desencantar,
Seu querido e mui estimado amigo,
Doutor Mara

Lavosier na Galeria Arco 8


Searas e Vindimas

Eles eram um casal, Vítor, e tu protestaste ao vento. Inclusive quiseste deslocar os girassóis contigo. Provavelmente pretendias que fossem contigo ver o milho fértil dos campos fecundos da tua ilha. Esperaste demasiado até descobrirem as acácias. Estamos mal combinados para largar de viver. E, no entanto, sonhamos com searas e vindimas. Eu sou do tempo fixo, imóvel, daquele que engrossa as marés e por isso não me canso deste despistado olhar sobre o horizonte. Agora pagamos a virtude do voo das abelhas, quase enriquecemos com o seu pólen vagabundo. Ainda cansados vociferamos contra as invasões dos bárbaros modernos, pois julgamos assim ter encontrado um sítio inabalável ao entardecer.