Neste Estio conseguimos uma coisa que só é mesmo possível na estação
dos garajaus e das hortênsias: um inquérito
de verão ao Doutor Mara. Há muito que se aguardava um regresso desta natureza,
fruto de uma longa ausência e má vontade da sua parte em lidar com o barril de
pólvora mediático que nos assola. As últimas notícias davam conta de um homem afastado da
realidade social, dado que se tinha retirado há muito deste mundo para viver
num moinho junto de um cerrado, elaborado e construído por si e mais dois
amigos ligados à nova carpintaria portuguesa. Sorvamos, assim, as doutas
respostas deste doutor, enviadas pelo correio e com um selo antigo com o preço desactualizado, escrito na sua
estranha caligrafia, inserido num envelope de papel cuchê de cor carmim.
DM:Doutor,
doutor, rio ou mar?
DM:Mar, evidentemente. O
rio tem sido invadido por motas de água e outras espécies raras.
DM: Destaca o quê
concretamente neste verão?
DM:As hortênsias que estão
muito preclaras e sublimes mas que, infelizmente, são invasoras, segregando
tudo em redor. É pena. E ainda os garajaus que continuam a fazer voos rasantes
e algo despropositados face à temperatura muita fria das águas.
DM: Como eram os Verões da
sua meninice?
DM: Eram passados à beira-mar, a maior parte das vezes refugiava-me
dentro dos botes ou dos batéis (conhecidos por Caicos) para escapar ao sol, ainda
sem a preocupação do buraco do ozono. A maior parte das vezes adormecia no
interior destes e isso causava um transtorno enorme para a minha família pois
passavam a tarde inteira à minha procura.
DM: O que é que mais gosta
de fazer nesta estação?
DM: De dar banho ao cão.
DM: De que é o que o Doutor
tem mais saudades de fazer nestes meses estivais?
DM: De andar de comboio.
Foi nesse meio de transporte que aprendi os nomes das terras do meu país e a gostar de ler.
DM: O Doutor quer dar-nos três músicas para
ouvir?
DM-“Watermellon in the
Easter Hay”do Frank Zappa, álbum”Joe´s Garage, “Vulcão dos Capelinhos” de Luís
Alberto Bettencourt e o “Marujo”, pela voz do Carlinhos Medeiros.
DM: Uma frase que o tenha
marcado recentemente?
DM:“Ao decidirmo-nos a dissertar sobre um qualquer objecto, é aconselhável
reflectir, e depois dar a conhecer aos outros, sobre o modo como chegámos a
pensar precisamente nesse objecto, e quais as condições que nos levaram a dedicar-lhe
uma atenção crescente.”É uma frase do
meu velho amigo Goethe.
DM:Que tipo de leituras
costuma efectuar na estação favorita de Johannn Wolfgang Goethe?
DM:De manhã leio poetas,
sobretudo alemães, mais poemas de portuenses frequentadores do Pequeno Orpheu e
também poetas das nossas ilhas ultra periféricas. À tarde, leio ensaios sobre a
crise capitalista e as energias renováveis, ao cair da tarde entro a fundo nos
ensaios sobre a natureza da estética ou o fim da arte na era da técnica. E, à noite, remato
sempre com um ou dois romances que abordam a atomização crescente dos
indivíduos e a falta de esperança das novas gerações de políticos formados nas
escolas de Economia e Direito.
DM:De que sente falta na
canícula?
DM: Muito sinceramente, tenho saudades de
comer um super maxi (nunca percebi porque lhe chamam assim) bem como o de me
encontrar com os Manos Manaia, sobretudo com a minha amiga Miriam Manaia. Ah…e ainda do meu
magnífico e escapulido amigo, o Janeiro Alves, nem imaginam o quanto é bom entrar noite
dentro com ele e com as nossas charlas intermináveis rodeados de vinho
biológico e favas escoadas.
DM: O nosso mui obrigado,
Doutor.