segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Uma Outonal Missiva de Janeiro Alves

Meu caro amigo,

Gostaria de prefaciar esta carta com o sincero desejo de a mesma o encontrar de rígida saúde e dotado do poder criativo e construtivo que lhe permita desenvolver ideias com a novidade da folhagem fresca coberta de orvalho matinal a agitar-se para fazer notar o seu vigor num cenário de naturezas mortas.
Não deixa de ser curioso esse conjunto de avistamentos da minha pessoa por locais diversificados e sem aparente ligação, pois ainda aqui há uns dias um indivíduo que transporta alguma reputação no circuito literário de Lisboa jurou a pés juntos que me tinha visto a passear na Calle de la Noria, em Santa Cruz de Tenerife, estando eu encerrado na minha vivenda a trabalhar desde o início do verão. Duvido até que ele lá tenha estado, dada a situação calamitosa das suas finanças depois de mais uma obra renunciada pela sua editora. De si eu não duvido pois essa é a sua morada permanente, mas trata-se efectivamente de um equívoco, alguém que se anda a fazer passar por mim de forma a tirar dividendos pessoais ou simplesmente instalar a confusão. Peço-lhe que da próxima vez que me vir, chame a polícia de forma a acabar de vez com esta brincadeira de mau gosto.
Passando a página, manifesto-lhe a minha mais exaltada e até descontrolada euforia com a aproximação das Conferências da Fajã, o supra-sumo dos eventos, a canela por cima do grande pastel de nata que é este mundo moderno. Sei que devido à nossa longínqua amizade, e na qualidade de organizador principal, o Doutor Mara não se esquecerá de me providenciar o habitual lugar de destaque no programa do evento, assim como me enviar as passagens de ida e volta em primeira, e a reserva no hotel do costume com pensão completa. Para esta próxima edição tenho preparada uma matéria que vai finalmente lançar os alicerces do “edifício” pós-moderno, unindo todas as reflexões casuísticas numa única direcção que nos guiará a uma espécie de Nirvana. Tudo isto, imagine, sem o uso de quaisquer psicotrópicos ou desinibidores de consciência, pelo que poderemos prescindir do dealer da última edição.  
Acabo esta modesta carta com um ar abatido, cansado e sôfrego, devido ao calor que se faz sentir em Outubro na capital do império Portuguêz, perfeitamente anormal para a época, adiando inapelavelmente a minha investida ao guarda fato outonal, onde os meus sapatos italianos de cetim afivelados se encontram acorrentados à espera de fazer crepitar folhas caducas como estalidos de sal atirado ao fogo que arde sem se ver, ser ou não ser, eis a questão, e à parte disso, desejo-lhe um agradável serão.
Do seu humilde servo,
Janeiro Alves