segunda-feira, 25 de julho de 2016

Verão

Fotografia de André Carvalho

Tu Podias Viajar Comigo na Noite

Tu podias viajar comigo na noite
ver como se propaga o ar
não se pode negar a indiferença
enfiaram-te o amor na cabeça
os filmes, os livros e os poemas que leste
agora vai-te embora com as grafonolas
desampara a loja dos fantasmas da infância
e não voltes desconfiado
o gelo não se parte,
solidifica ainda mais
conserva-se para a eternidade
um coração despedaçado não sobrevive
fica desarmado com tanta frieza

Hás-de saber guardar para ti o medo e o cuidado
a leveza com que desapareces da fotografia
não sei muito bem onde aprendeste esse orgulho
esse pequeno ritual do desprendimento
vale o que vale a saúde e desatinas
uma casa em ruínas e o desapego
quando sofres devagar e logo adormeces

Repetes o frente a frente
sem nada conseguir expressar
madrugada adentro
até deitar tudo a perder 
antes da alba nascer

Filme d´Estio

"Que Coisas São as Nuvens?"
Nineto Davoli: Que coisas são aquelas?
Totò: São nuvens!
Nineto Davoli: Que coisas são as nuvens?
Totò: Ah…
Nineto Davoli: Quanto são belas...o quanto são belas…
Totò: A Inefável beleza da criação!



Pier Paolo Pasolini, in "Che Cosa Sono le Nuvole?", 1967.

Sob Céus Estranhos de Daniel Blaufucks

Imagem daqui: http://www.danielblaufuks.com/



           O frequentador de bibliotecas terá sempre este prazer que é descobrir coisas ao calhas. Subitamente, este depara-se com um nome de um fotógrafo conhecido, um título curioso e intrigante, permitindo várias leituras. E de imediato essas coisas funcionam como cápsulas que gostaríamos de abrir, desvendar, trazer para o nosso quotidiano. No final do livro, um texto poético que nos faz permanecer agarrado à página, fixar aquele instante, prolongar a existência de vida e uma fotografia que podia também ser parte da nossa memória:“Agora estou deste lado do ecrã, revendo todas as fotografias e velhas bobines de 8 mm e vejo todos os que, um a um, foram partindo, levando um pouco de mim para sempre. Estranhamente, também eu, de certa forma, me tornei num exilado. Onde fica a minha casa? Não tenho bem a certeza. Possivelmente debaixo daquelas árvores de que o meu avô gostava tanto.”