Era Julho e à semelhança das cigarras ninguém dormia. O cabelo doirado
das mulheres lembra-me agora a infância deitado ao sol sobre os barcos, um
clarão de luz a incidir sobre a merenda, os cães a rondar a areia e um cheiro
intenso de salitre com o estender das algas e sargaço a serpentear a orla. Não
havia sono mas sim desenhos com giz sobre a lousa ou sobre a areia e os amigos
que se sentavam em redor à volta da canícula, ansiando o toque e afago das mães
que se tinham retirado e ausentado por
instantes para o recolher da faina e dos maridos.
Era verão e as cartas rondavam os adultos
nas mesas das tabernas e esplanadas. As bicicletas encostadas, exauridas e
expostas nas paredes das ruas vazias, os bichos a povoarem as ranhuras, o verde
das ervas a irromper por entre frinchas e rachas nos muros para além da
ferrugem nos raios das rodas em descanso. Os gelados compostos de gelo e de
açúcar, as nódoas no peito das camisas, as unhas sujas e enfiadas na terra dos
berlindes gastos e consumidos ou ainda o medo das sebes altas nos campos de
espigas e das vinhas. Adormecemos em algumas ocasiões junto de girassóis
inclinados, por vezes debaixo de chatas e de lanchas a servir de refúgio e
esconderijo às tropelias cometidas, ilibando culpas de horas e brincadeiras intermináveis
na praia do pescado ou ainda dos tesos mergulhos no mar de domingo sem digestão,
com os avós ocupados com os labores das redes e resultados da bola.
Dessas tardes soalheiras com a cabeça enfiada na areia, a lassidão e o
suor dos corpos à beira-mar ganha-se consciência. Consciência dessa grata e
feliz morada salina de luz e azul, uma casa vasta e farta onde podemos molhar
sempre os pés e mãos do nosso desconforto da adulta idade ou da velhice. O
estio é certo que findará um destes dias sem darmos conta mas é dele sempre
este baloiço guardado e relembrado, o escorregão recordado de correrias eternas
e os ponteiros do relógio que de tanta corda ficaram parados.”