terça-feira, 23 de dezembro de 2014

«Trinta e quatro sonetos e trezentas e cinco redondilhas» de João Paulo Esteves da Silva


Edição da Douda Correria, 2014
                                                                 Dos sonetos:

                                   (...) Se chove muito na calçada, acorda
a sensação de que o país está morto
e que o trabalho acaba, e só o desporto
o fingimento, o jogo, inspira a horda.”

Das redondilhas:

(...) Chovem optimismos
e as coisas ternas,
voluntariosas,
cheias de genica
enchem-se de orgulho
enquanto não chega
a próxima nuvem
a qual tarde ou cedo
acaba por vir
despertar a sombra.”

E deixa-me o azul, o azul profundo...

 
Rever Lisboa no dia em que Alexandre O´Neill, se fosse vivo, faria 90 anos:

E de novo, Lisboa, te remancho,
numa deriva de quem tudo olha
de viés: esvaído, o boi no gancho,
ou o outro vermelho que te molha.

Sangue na serradura ou na calçada,
que mais faz se é de homem ou de boi?
O sangue é sempre uma papoila errada,
cerceado do coração que foi.

Groselha, na esplanada, bebe a velha,
e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue é vida; mas que vida?

Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?