quarta-feira, 6 de março de 2013

Pela Boca Vão-me ao Bolso

Não é costume sair da farmácia zangado ou em vias de ficar doente, sem a mínima réstia de esperança no mundo e na humanidade, mas foi isso o que me acabou de acontecer. Passados tantos anos a usar a pasta dentífrica Couto (não tantos como a existência desta, está no mercado desde 1932) não consigo ainda compreender o que é que se passou com o seu preço de custo ao consumidor. Há cerca de três semanas comprei uma caixa desta pasta dentífrica que custou 1 euro e 45 cêntimos. Um preço excelente dada a qualidade da fórmula, ainda nas mãos do último herdeiro da família Couto, acessível em qualquer farmácia da região açoriana ou do continente. Ora bem, esta pasta dentífrica que tem o “objectivo de limitar o fenómeno crescente de retracção das gengivas” passou em tão curto espaço de tempo a custar 2 euros e dez cêntimos. Na realidade, são mais cinquenta e cinco cêntimos, o preço de um café em algumas pastelarias e cento e dez escudos na antiga economia. Como é que isto foi possível? Deram com a “Troika” nos dentes e nas gengivas??? Durante anos acreditei que a “Couto” era sinal de um país secreto que sabia ser resiliente, sinal de uma marca familiar que se mantinha pela persistência, pelo gosto e pela paixão de existir – lembram-se da publicidade da “Couto” na televisão? – que mesmo assim podíamos comprá-la a qualquer hora em qualquer farmácia de serviço por um preço amigo e com a posologia em diferentes línguas: italiano, espanhol, francês e alemão, para além do português, claro. Cheguei a usar muitas vezes o seu folheto para incentivar a aprendizagem do português a estrangeiros, tendo alguns passado a usá-la por curiosidade. O que está a acontecer é muito triste, mais triste será ter que deixar de lavar os dentes.

Notas para um ensaio sobre açorianidade



“Há tempos já me tentou o estudo dessas relações e o seu resultado. (…) Nesta ordem de ideias procurei fixar aquilo que se me afigurou mais característico do meio açoriano – o vulcanismo, a presença constante do mar, a insularidade, ou isolamento do resto do mundo, a nebulosidade do céu, a temperatura oscilante entre estreitos limites, a pressão atmosférica, os vendavais e tempestades, a diferença entre as ilhas e o continente pelo que respeita às condições geográficas e da paisagem, verificar ao mesmo tempo quais as qualidades morais comuns a todos os ilhéus, a sua religiosidade profunda, espírito de submissão, indolência, imaginação criadora, sentido de perfeição e de pormenor, espírito satírico, certo grau de saudosismo. Infelizmente, porém, quando colhia elementos para o meu estudo compreendi, a breve trecho, que era cedo demais para levar a cabo. Falta ainda recolher e estudar muita coisa que é indispensável.”

Luís Ribeiro, in Correio dos Açores, nº4768, 25 de Outubro de 1936 ( citação a partir do artigo “O meio escolar açoriano. Aspecto Geopsíquico” de Emanuel Félix Borges da Silva, publicado na revista Atlântida de Novembro-Dezembro de 1964.