Procurei por
aqui, algures na cidade património, sinais da existência
do cidadão José Júlio de Souza Pinto. Angrense de nascimento e de quem o
historiador de arte, José Augusto França, disse ser "o mais brilhante dos
paisagistas" - José Júlio Souza Pinto nasceu em Angra do Heroísmo, a 15 de
Setembro de 1856, filho do Juiz de Direito, Doutor Lino António de Souza Pinto,
natural de Valongo, e de Ana de Sousa Loureiro, da freguesia da Sé, no Porto. O
seu irmão, António de Souza Pinto, também ele viveu a sua vida dedicado à pintura.
Descubro, assim, que o pintor viveu nas ilhas atlânticas até aos catorze anos, para lá
dos primeiros anos de existência vividos na Ilha Terceira, passou também pelas
Ilhas de Santa Maria e São Miguel. Por aqui não
há qualquer referência na obra deste à sua vivência na ilha Terceira, daí o
provável desinteresse ou desconhecimento das entidades oficiais. E pergunto: o
que é que terá acontecido? Primeiro, a ausência de alusões na obra do pintor ao
seu local de nascimento e crescimento, por outro lado a inexistência por aqui
de uma obra, uma rua, uma placa evocativa da sua origem terceirense. Soube-se
que alguém da Bretanha, em França, onde o pintor viveu e viria a falecer em
1939, já quis conhecer algo mais sobre as origens do pintor português, pois à
semelhança de Columbano, este possui um quadro no Museu de Orsay. É no mínimo
estranho, que Angra não tenha adoptado este pintor como seu “filho” ou ainda os
Açores não reconheçam a sua origem, ao contrário do que têm feito
com tantos outros que partiram daqui tão novos ou ainda muito jovens.
José Júlio Souza Pinto (A Volta dos Barcos, 1891) |
Não me canso
de procurar "vestígios de vida" deste pintor naturalista e este
interesse é muito simples de contar: há três anos deu-se um caso insólito na
Ilha do Faial, quando fui surpreendido com a imagem de um postal à entrada do
Museu Municipal da Horta, reconhecendo de imediato pertencer à capital
balnear da zona norte. Mais tarde, ainda que fossem frágeis as razões da
presença daquela obra por aquelas paragens, subi até ao seu interior à procura do
respectivo quadro na sala de exposições do museu. Ali estava a pintura, com o
título "A Volta dos Barcos", constando a indicação (Póvoa, 1891).
Conviria recordar que no ano seguinte deu-se a maior tragédia marítima que há
memória naquela cidade costeira e, provavelmente, no país inteiro: morreram
mais de cem pescadores no regresso da faina. A partir de 28 de Fevereiro de
1892 as mulheres e os pescadores poveiros deixaram de poder usar para todo o
sempre cores garridas, passando a vestir-se de preto como hábito. Um costume
que ainda hoje mantém em “sinal de respeito pela perda dos seus entes queridos”.
Sobre “A
volta dos Barcos”, Adriano de Souza Lopes afirma que foi na Póvoa de Varzim que
Souza Pinto pintou os seus melhores quadros de composição. O quadro está
acessível a qualquer visitante do Museu da cidade da Horta, na Ilha do Faial. Foi
pintado por Souza Pinto quando este tinha trinta e cinco anos, numa fase da sua
vida de suficiente maturidade no desenho e onde era já um nome reconhecido
junto dos seus pares artísticos. Esta obra é elucidativa da angústia, da
incerteza e do desespero contido de quem espera indefinidamente por alguém que
lhe é próximo, não sabendo se voltará. O olhar das crianças atenua o peso daquela
mulher aflita e atormentada. Convém referir que o pintor José Júlio de Souza
Pinto nasceu e viveu antes da invenção do cinema, e é, essencialmente,
através desta imagem que hoje podemos imaginar, visualizar, recriar a vida dos nossos
antepassados daquele tempo. Que prodígio! Da sua longa biografia sabe-se que começou
a desenhar aos quatro anos de idade, por influência da mãe Anna de Souza
Loureiro, também ela pintora, e que ficava com o coração despedaçado sempre que
lhe tiravam a lousa com os seus desenhos. Um século depois, como seria
interessante "procurá-lo" nas ilhas onde nasceu e viveu até aos catorze
anos de idade. Será ainda possível?