terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

O Nome

aos vinte anos e gozando de excelente memória
comecei duas listas, e até hoje mantenho
numa delas estão os nomes
de todas as pessoas que amei na vida
e que me amaram de volta.
na outra, os nomes das pessoas próximas de mim
que morreram.
até aos trinta, a primeira lista abria grande e crescente vantagem
sobre a segunda.
até aos quarenta a vantagem permanecia grande
mas deixou de aumentar.
aos cinquenta a lista dos meus mortos pela primeira vez
alcançou a dos amores, e
aos sessenta finalmente tomou a dianteira.
hoje, pela primeira vez,
um nome se repetiu nas duas.

Luca Argel, in Flanzine, nº18, Dezembro de 2018

ΠΑΤΡΑ

Porto de Patras, um súbito desejo de escrita.
Uma vontade de registo:
             - Os lençóis deixados no leito
             com as frases de uma noite; o sol
             olhado do extremo do Verão que
              cega um declínio.
À partida, na largura azul do Mediterrâneo,
o alongamento até ao limite que se desprende
do seu fundo, não abandona os fragmentos.

Como cristais soltos de uma relíquia,
a respiração segue descompassada do
ritmo do mar. Forma o ritual de um sonho
no espaço de um destino:
- O golpe seco de um amor.

Rui Miguel Ribeiro, Europa e Mais Três Poemas, Letra Livre, Novembro de 2017.

Do Colonialismo

VisãoPersistem muitos mitos sobre o império colonial português? Qual deles é prioritário desfazer?
Miguel Cardina: O principal mito que prevalece é o de que o colonialismo português foi diferente dos outros. Naturalmente, não foi igual ao britânico, ao espanhol ou ao holandês, mas isso não significa que tenha sido qualitativamente mais benigno. O colonialismo português foi tão violento quanto os outros.Essa ideia de um colonialismo de outra natureza, miscigenado com as populações locais, resulta da importação da teoria lusotropicalista elaborada por Gilberto Freyre, adotada como uma espécie de ideologia do Estado Novo, num contexto em que o regime era acossado internacionalmente por tardar em iniciar o seu processo de descolonização. Esta ideia criou uma realidade e, apesar do 25 de Abril, este lastro manteve-se por várias razões.
Entrevista publicada na revista Visão de 3 de Fevereiro de 2019.