terça-feira, 12 de junho de 2018

Corpo Triplicado de Maria Brandão


                                                                                                    Sentido Único


            Na minha casa não há roupa fora de uso, fotografias antigas, recordações de viagens, revistas desbotadas, recortes de jornais, bilhetes de amor, recibos de compras, artigos decorativos, vasinhos de plantas ou animais de estimação. Livro-me de coisas inúteis como me livro dos amigos hipócritas e dos amantes incompetentes. Sem remorso e sem saudade.

Maria Brandão, Edição Companhia das Ilhas, 2018.

Vinho de André Laranjinha



           André Laranjinha filma o nosso mundo, esta realidade que nos está próxima e que vai desde o pão, ao vinho, aos muros de pedra, à matança do porco, até à ilha, por vezes pessoal e transmissível, de quem aqui aportou. Neste documentário intitulado “O Vinho”, quase uma hora de imagens em movimento, resultado de várias visitas à Ilha do Pico, o realizador mergulha nessa crosta de lava no meio do oceano Atlântico, à procura das vinhas que estão espetadas na terra e cuidadas pelos seus guardiões. 
Num registo demorado, mas escorreito, vamo-nos apercebendo da alteração das estações, documentando o gelo da grande montanha no inverno, ao surgimento das primeiras folhas e da enxertia necessária sempre com a presença dos homens no tratramento da vinha, que é tudo menos fácil. A uva vingou numa terra difícil que resiste ao cultivo, demasiado áspera e propensa aos elementos, daí o prodígio do vinho nessa ilha conhecida por homens que bebem e celebram a existência desse precioso líquido. Uma boa parte do filme é passado em adegas, nessas arrecadações onde se deposita e protege o vinho, a aguardente, os licores, mas também pontos de encontro com portas escancaradas ao debate, à reunião e à música, ou somente ao resguardo no final de mais um dia de canseiras e afazeres. Um documentário com ilhéus dentro.