sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Das Bicicletas


"Enquanto discípulo da energia respiratória, o ciclismo relaciona-se directamente com tudo o que existe em nós de verdadeiramente espiritual e espacial. Exigindo um equilíbrio físico e psíquico da concentração, a actividade motora repetitiva, contínua e profunda, funciona como uma equivalência física matizada do equilíbrio psíquico, da concentração, da harmonia e do ritmo de que falam inúmeros sistemas religiosos e filosóficos. Os mais antigos e os mais venerados destes sistemas pressupõe sempre que não se pode agir sobre o espírito sem se agir sobre o corpo.
Em resumo, a bicicleta pode representar, na longa história dos artefactos humanos, uma dos mais raros exemplos de uma interacção totalmente benéfica e ecologicamente irrepreensível entre tecnologia e arte, entre matéria e espírito. Se, como diz William Blake, a energia é uma fascinação perpétua, então a bicicleta é uma energia. Porque o facto de andarmos de maneira disciplinada numa bicicleta, que é leve e que tem várias velocidades, pode ser psicotrópico, pode mudar o nosso espírito e o nosso coração. Uma corrida prolongada e concentrada tem efeitos no modo de focalizarmos a percepção de definirmos os contornos, as cores e os sons do mundo físico. Andar de bicicleta é alargar  e intensificar o nosso campo visual. Esta espantosa invenção tem, de uma maneira muito simples, o poder de mudar a natureza da nossa relação com o mundo."
Peter Cummings, extraído de Bicycle Consciousness; poems and prose, antologia de textos, Relógio D´Água,2019.