sabes
conta-se
que depois do inverno
a
memória
treme
nos interiores das chuvas caídas
alguns
candeeiros deslizam para os mistérios de uma sombra
e
deixam algumas pegadas
para
quem sabe que nascer ou morrer agora
passa
ao lado das ponderações gerais
ou
dos decretos cósmicos
diz-se
ainda
que
alguns homens partem por esses vestígios de liquidez
cantam
dentro de um corpo invertido e desfocado
ao
longe
onde
sentado à soleira da casa de alguém os vejo passar
sem
calendário que não seja obrigatório
ou
as calças mais banais
e
burocráticas
Sei
lá – daqui parece que caminham
sobre
as ruas fluídas
como
se caminhassem por cima de uma miragem
interessa-lhes
pouco o que de facto nada interessa
como
ajoelharem-se
encostarem
o ouvido à chuva por desaparecer
procurarem
naquele reflexo ingrato uma pulsação
onde
uma abelha pouse e de lá traga
o
princípio de outra flor
enfim
é isto que escrevo
sussurradamente
sentado em sítios que não
me pertencem
sabendo
que se não me levantar
destas estações sensíveis
toda a minha irrefutável
e inútil vida será
ver os outros partir
Leonardo,
in Âmbula, Companhia das Ilhas,
2015.