sábado, 9 de janeiro de 2016

As Charlas na Galeria Arco 8

       "O texto incide essencialmente sobre uma entrevistadora, por sinal, bastante curiosa, que numa pose bastante reverente, pomposa e, até enfatuada, quer saber tudo a propósito deste cientista social que dá pelo nome de Doutor Mara. Um personagem meia louca e lunática que adora viver em cidades marítimas e campestres, dividindo assim a sua vida entre o isolamento –  hábitos de anacoreta e o seu gabinete citadino onde se dedica a estudos antropológicos de longo alcance. Este texto que se quer, tanto dramático como cómico, tem como ideia base contrariar aquela ideia muito presente de que os seres humanos têm sempre muitas ideias e factos significativos  para dizer ou contar, reforçados e ampliados pelos meios de comunicação social e redes sociais, isto é, o “hipermediatismo” dominante. Servimo-nos por isso deste Doutor Mara, habitual frequentador de tugúrios inimagináveis, que vão desde os jardins públicos, discotecas, tascas e afins, e que, aproveitando-se do seu estatuto de figura pública sem mácula, para dialogar e dissertar com o público sobre este mundo em que vivemos, não muitas vezes muito mal frequentado. Os actores Tiago Vouga e a Aurora Ribeiro estrear-se-ão em Ponta Delgada com os capítulos Ginecomagia, Tarantoterapia e Enomátria que terão palco na Galeria Arco 8, no dia 15 de Janeiro, sexta-feira, pelas 23 horas." 

(o autor do texto As Charlas Quotidianas do Doutor Mara)

Seis Poemas na Ilha de São Miguel

1- Clínica da Alma
a Alberto Manguel
Os egípcios avivaram com cuidado,
no mistério revelado, agradecidos,
antes de qualquer roubo ou guerra
sem ruína de outra sobrevivência
dicionários, livros e compêndios
perenes depositantes de memórias
Desse lugar infinito agora observamos
o secreto abecedário das estantes
em geografia de línguas alcandoradas
e nas remediadas doenças do presente
as perguntas inquietas por fazer

2-Da Caloura, as pedras

Trazem com elas o tom e o silêncio
delicadas brechas, destroços vários,
líquidas vozes desavindas
aspiramos ondas e demais histórias
Modelamos nuvens, entoamos metáforas
a fúngica bruma patenteada
nos lábios e nos dentes
e na tardinha tudo abafamos
com o marítimo som das evidências.

3- Queijadas de Papoila e Chá Verde

Houve vagas silenciosas em crescendo
e momentâneos enganos
Talvez possamos inventar um paradoxo
folhas frescas em verdes águas
No céu o paladar bem destilado
e o boca a boca reencontrado
caem grainhas da incerteza
à lenta paz dos órgãos
a virtude dos passos dados.

4-Momentâneos Empenhos

Professar ao vento a inspiração
declarar instantâneos empenhos
essa súbita vontade fulgurante
a impressão do tempo que passa
nas linhas ditadas e coser
os múltiplos desafios do devir
decididos incitamos a potência
num traçado augúrio preferido.

5-Tácita Recusa

Uma tácita recusa dos dias frios
como horas no tempo crepitam
dão o corte e o contraste
à erosão dos desvios consumados
rumor implícito nos gestos
uma vaga cobertura de promessas
na união sobejamente anunciada.

6-Vadia Epopeia

Consumamos um velho vício
mortiço fado espelhado na madeira
A luz nocturna sobre a mesa, 
condição, desolação, desarrumado
como uma seda fina a laborar
enfrentar essa suprema ilusão
confiança de ouro na tomada e
no brilho
exaltação dos ombros na partida. 

Ontem, escrito numa parede da cidade

"Não há festa nem festança que não entre Maria na dança."