terça-feira, 20 de março de 2018

Uma Carta Surpreendente de Janeiro Alves para JB Malaca

Caro JB Malaca,
Depois de algumas noites sem dormir e gastos imprevistos em fármacos (ainda não é desta que troco de esquentador), decidi pôr fim à amplificação deste equívoco, que de tão caricato parece um neo-surrealismo abstracto. É realmente lamentável que sendo o meu amigo Malaca uma pessoa tão informada, não tenha ainda discorrido sobre a razão deste estrutural lapso. Farei por elucidá-lo, hoje que acordei imperturbado. Faça o favor de me seguir.
Não querendo pôr em causa a dignidade do meu caro amigo Doutor Mara, nem tampouco levantar falsos testemunhos, o que é facto é que essa sua conhecida mania de deambular pela cidade sempre com o seu sobretudo atestado de manuscritos importantes misturados com contas para pagar, o borda d’água, um ou outro paliteiro e papelinhos de embrulhar caramelos, um dia tinha de resultar mal. Como seria de esperar, houve uma tarde em que por força das recentes intempéries insulares, tudo voou dos bolsos desse admirável, e se espalhou num bailado literário às portas da Igreja do Colégio. Parecia a imagem de um milagre, que rapidamente se transmutou em catástrofe. De entre os documentos que foram parar a mãos erradas constavam as mais recentes cartas trocadas entre nós. Quis o destino malfadado, esse inferno de mil pragas, que as cartas se colassem às mãos da famigerada dupla FN e PG, que se apropriou indevidamente das mesmas em benefício próprio, com o intuito de capitalizar prestígio em insigne circuito intelectual. Mas isto não fica por aqui. Ao saber da circunstância da publicação de duas das nossas cartas em certa revista literária, contactei a respectiva direcção para reclamar da fraude. Riram-se categoricamente, afirmando de forma não menos categórica que eu e o Doutor Mara habitávamos apenas no campo da ficção. Eu que em carne e osso lhes falava ao telefone, não existia! Veja ao que isto chegou, caro JB. Neste momento a dupla FN e PG está incontactável e em parte incerta, e nós nada podemos fazer, pois não existindo não dispomos de personalidade jurídica.
Por fim, não posso deixar de referir que a sua carta dirigida a Doutor Mara é um tanto ou quanto paradoxal. Se por um lado ela faz a apologia da discrição sobre o assunto para bem dos intervenientes, por outro cultiva a polémica de forma inadvertida e precipitada. Quando a poeira assentava já novamente no tapete, o meu caro amigo volta a sacudi-lo. Meu caro JB Malaca, permita-me a seguinte interrogação: Quais são as suas verdadeiras intenções?

Com o devido respeito e amizade,
Janeiro Alves (o próprio)

Um poema de Vítor Baluarte


(Versos do canto da Rua D´Agoa)
A terra dá
a quem veio do mar
mais do que lugar
pés realmente assentes
a homens valentes
que vem descansar

a terra dá
a quem caiu do céu
suave impacto
fazendo com o chão pacto
de aqui caído pertencer

 a terra dá
de volta ao corpo o corpo
que na terra jaz morto
acolhedor  porto
de mar coveiro que produz
sepultura submissa a cruz

a terra dá
e tira a quem
em mãos tinha terra
e de terra se viu sem
desta terra de ninguém