quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

"Meu Pescador, Meu Velho" de Amaya Sumpsi


        Amaya Sumpsi é uma madrilena que o acaso atirou para os Açores e mais concretamente para ilha de São Miguel. Licenciada em Realização de Cinema e Televisão pela Escuela Superior de Artes y Espectáculos vem viver para Ponta Delgada em 2002 enquanto membro das Criações Periféricas, responsável pelo laboratório de fotografia e na organização de eventos. Este documentário “Meu Pescador, Meu Velho” é, sem qualquer dúvida, um olhar afortunado e deslumbrado pelos pescadores de Porto Formoso, uma visão de alguém que gostou de aqui chegar e descobrir-se nessa aproximação que agora pode ser vista por quem quiser. À semelhança do escritor Raul Brandão, que há noventa anos se deixou apaixonar pela paisagem açoriana, Amaya Sumpsi enamorou-se pela baía e, sobretudo, pelas gentes de Porto Formoso. A história do filme - com uma fotografia cuidada e uma música atinente - abre com o início do projecto e em que, após uma noite de Carnaval de 2005, uma enorme onda desfez os “boca aberta” do mestre Eiró e do mestre Américo. Estranhamente, com ajudas institucionais gera-se a construção de novas embarcações e maiores, no entanto o porto de areia é residual e impróprio para varar os barcos. Os pescadores passaram assim a reivindicar uma doca em cimento para que a sua chegada fosse possível nas melhores condições, gerando alguma contestação entre os moradores que acreditam que a beleza natural do porto e as ruínas do castelo que ali se encontram são o verdadeiro foco de beleza e atracção turística do lugar. A realização do documentário apanha as várias fases da construção do porto e capta assim a passagem do tempo e o que se foi alterando com os diferentes intervenientes no processo.
         “Meu Pescador, Meu Velho” é um belíssimo fresco para compreender o sentido álgico das gentes do mar de Porto Formoso da Ilha de São Miguel e uma pertinente lição de como se consegue, pode e se deve filmar rente às pessoas que não conhecemos e que nos podem dizer e contar tanto sobre a vida e sobre a realidade social em que vivemos. Inesperado é aquele o diálogo entre o velho e o jovem pescador que daria uma importante tese de mestrado sobre o património material da humanidade e a sua relação com a vida das comunidades. Amaya sentiu aqui o apelo de deixar a conversar correr, fluir, pois ao constatar que é afinal o jovem que está do lado do património (as ruínas, neste caso) ganha em perspectiva e agiganta este seu empenho, esforço e dedicação aos seus sete anos de existência confinados à feitura deste documentário. Felizmente, o Teatro Micaelense encontrava-se preenchido para assistir à apresentação deste riquíssimo e valioso trabalho documental que teve o mais que devido  reconhecimento e  as devidas loas e agradecimentos.

Três poemas de Rui Duarte Rodrigues

Teresa nome triste

Há silvas e amoras
no teu olhar

pelos teus lábios passou já uma vindima
E há uma tristeza grande
abatida sobre o teu rosto

falas de coisas cansadas em voz baixa
como se o inverno não acabasse
e a miséria não tivesse fim

fico ao lado de ti sem saber
remando com cuidado por entre estrelas
para não dissipar a noite
e o mais breve sinal de alegria


Coração Menino

Tenho
Um coração menino, um coração
pra chorar sozinho

Gastei o coração nestas pedras húmidas
e os olhos deixaram de ver o mar,
fecharam-se numa casa pra morrer

 Preciso um mergulho profundo
e prolongado, um lugar de ternura mãe
dentro da manhã

Um fio,
um cabelo
contra
o medo e a loucura

 Mui açoriana manhã

Ah esta mui açoriana manhã
De prata embaciada, à espera de chuva
Pequeno véu de azul no horizonte
               vela fugitiva

Respiro fundo
Que rumo dar às coisas desse dia
Que apenas promete agastamento? Os olhos
querem fechar-se à luz diluída
              e prematura
a vontade é dispensar o calendário

Ah esta mui açoriana manhã
Serra mecânica, operária
cortando o  ar, fanfarra militar (que dia
                     é este
           que contém alguma celebridade?)
ruídos todos embrulhados nesta película
deslavada, pastel sem brilho
à espera de chuva

Rui Duarte Rodrigues, in “Com Segredos e Silêncios”, Colecção Ínsula, 1994