Há silvas e amoras
no teu olhar
pelos teus lábios passou já uma vindima
E há uma tristeza grande
abatida sobre o teu rosto
falas de coisas cansadas em voz baixa
como se o inverno não acabasse
e a miséria não tivesse fim
fico ao lado de ti sem saber
remando com cuidado por entre estrelas
para não dissipar a noite
e o mais breve sinal de alegria
Coração Menino
Tenho
Um coração menino, um coração
pra chorar sozinho
Gastei o coração nestas pedras húmidas
e os olhos deixaram de ver o mar,
fecharam-se numa casa pra morrer
dentro da manhã
Um fio,
um cabelocontra
o medo e a loucura
Ah esta mui açoriana manhã
De prata embaciada, à espera de chuva
Pequeno véu de azul no horizonte
vela fugitiva
Respiro fundo
Que rumo dar às coisas desse dia
Que apenas promete agastamento? Os olhos
querem fechar-se à luz diluída
e prematura
a vontade é dispensar o calendário
Ah esta mui açoriana manhã
Serra mecânica, operária
cortando o ar, fanfarra militar (que dia
é este
que contém alguma celebridade?)
ruídos todos embrulhados nesta película
deslavada, pastel sem brilho
à espera de chuva
Rui
Duarte Rodrigues,
in “Com Segredos e Silêncios”, Colecção Ínsula, 1994
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