sábado, 29 de abril de 2023

Agnès Varda, Póvoa de Varzim, 1956

Agnès Varda, 1956
(Póvoa de Varzim)

        «Como dizia Agnès,“as recordações são como bolas de sabão que sobem”. Durante muito tempo, tudo o que eu conhecia de Portugal era uma fotografia que Agnès tinha feito em 1956. Aquela mulher tão bonita, tão altiva, que caminhava descalça numa rua da Póvoa de Varzim, cidade marítima da Porto. Entre essa mulher, vestida de preto – rainha anónima, rainha das gentes pobres – e os restos de um cartaz colado na parede com a bela Sophia Loren – outra rainha, uma rainha do cinema – que fez sonhar tantos adolescentes, prefiro a portuguesa. Falámos muitas vezes dessa fotografia, Agnès e eu. O movimento de andar, essa acção simples de caminhar em direcção a alguma coisa. É o famoso “instante decisivo" de Cartier-Bresson captado por Agnès, e ao mesmo tempo um plano de cinema – um instante suspenso. Mas onde acaba a fotografia e onde começa o cinema? Poderíamos imaginar a história dessa mulher. Está furiosa? Vai ao encontro da sua família, dos seus amigos, de um marido, de um amante? Ou, muito simplesmente, está a regressar a casa. Agnès veio a Portugal em 1956. Interessou-se pelas mulheres, pelas crianças, pelos pescadores, as actividades do quotidiano e, evidentemente, pela tourada. As suas provas de contacto da Leica 24x36 mostram-nos um Portugal pobre e austero.»

Rosalie Varda, in “Regressar ao Porto, a Serralves”,  livro “Luz e Sonho”, Agnès Varda, Serralves, 2022.

Da Inteligência Artificial

    "A única maneira de ajudar é educar as pessoas para a autodefesa. Podemos levar as pessoas a compreender o que é a IA é e o que não é. Acabar com a euforia e olhar para a realidade como ela é. É basicamente como qualquer ideologia ou doutrina. Como é que se defende alguém contra a ideologia neofascista? Educando as pessoas. Não há maneira de impedir, não vai acabar nem desaparecer. Pode educar-se a população para compreender como realmente são as coisas." 

Noam Chomsky, in Ípsilon, entrevista de Ivo Neto e Karla Pequenino, 28 de Abril de 2023. 

O Independentista

Não demorou muito a nossa conversa. 
O tempo útil da viagem entre Ponta 
Delgada e a Ribeira Grande. Aceitei os
argumentos. Não percebi para quê a 
independência 
se já o eram desde 1143.
Serem os mais portugueses de Portugal
talvez fosse a única razão. Por 
último falei-lhe na monarquia. «Isso 
resolvia tudo.» Foi a sua resposta.

Uma vida não pede cenário algum
muito menos a corrupção  - não
se compara à mais perdida das paixões,
é somente a terra que pisamos e 
onde temos o fio do passado.
 
Abri a porta de casa. Um país vive sempre
entre a luz e as trevas 
fragor de rio caudaloso (chovera muito e
ouvia-se a ribeira sob a ponte) água 
que se despenha das alturas 
e se não for deste modo 
não há destino 
apenas seguimos atrás uns dos outros num 
enterro, até ao último dia.
Geografia e história de um povo
esvaziam-se de sentido quando a sua 
paisagem cresceu demais, além da bruma, além da noite.

João Miguel Fernandes Jorge, in Lagoeiros, Relógio D´Água Editores, Novembro de 2011.