quinta-feira, 4 de novembro de 2021
Diogo Lima: o Cineasta Irónico!
"Lúcia e Conceição": À Luz da Camelia Sinensis!
Ainda hoje o hábito contemporâneo do chá caracteriza-se por ser bebido às cinco da tarde numa chávena de porcelana. O chá terá sido introduzido nos Açores por via das naus e caravelas provenientes do oriente no século XVIII. Depois, foram chegando biólogos e botânicos que aprofundaram o conhecimento da planta camelia sinensis e tornaram o chá um fenómeno insular…até hoje!~
“Lúcia e Conceição” é um documentário produzido pela “Cinequipa”, um grupo de cineastas da RTP, liderada por Fernando Matos Silva. A realização do documentário “Lúcia e Conceição” ocorreu no ano de 1974, um ano antes da primeira emissão de televisão nos Açores, que teve lugar a onze de agosto de 1975. Este documentário retrata as crianças e adolescentes que trabalhavam nas plantações de chá, na Gorreana, freguesia da Maia. A Fábrica da Gorreana é, ainda hoje, dos locais mais antigos da produção de chá na Europa, com data da fundação de 1893. Em 1974, à altura deste registo documental, o vencimento diário destes adolescentes que recolhiam a planta do chá situava-se nos 36 escudos diários. Era um período social e histórico duma zona rural marcada essencialmente por parcos recursos financeiros, pouca ou nenhuma mobilidade social e ausência de luz elétrica.
As adolescentes Lúcia e Conceição, que dão título à aventura cinematográfica em pleno momento do advento da democracia, falam, sobretudo, em emigrar para o Canadá, dada a ausência de trabalho remunerado na ilha. O pai de Conceição, agricultor e camponês, plantava nessa altura essencialmente milho e beterraba. O milho era um elemento fundamental para ser usado em casa para a feitura de massa sovada, depois de ter ido à moagem comunitária. Conceição tinha mais quatro irmãos, sinal de outros tempos em que os agregados familiares eram bem mais alargados. Os hábitos quotidianos, ao final de cada dia destes adolescentes também, pois após os trabalhos duros na recolha do chá, ainda havia tempo para ler “romances de amor”, caprichos, publicações que deviam circular de mão em mão, dizemos nós. Os adolescentes retratados neste documentário tinham maioritariamente a quinta e a sexta classe da altura. Estes trabalhavam cinco meses na apanha do chá e depois deslocavam-se para mais dois meses na atividade da apanha do tabaco. Após visionamento do documentário, constatamos que estas crianças e adolescentes tinham como único horizonte continuar as profissões dos progenitores, sendo que eram raras para estes a oportunidade de prosseguir os seus estudos. Este trabalho da apanha do chá era feito essencialmente pelas mulheres das zonas rurais, já que as da Ribeira Grande se apartavam dos labores agrícolas, e tão só a dedicação às atividades de costura e bordados, implicando por isso uma distinção com as mulheres das freguesias que se dedicavam à agricultura e demais lides domésticas. Quando se lhes pergunta pela alimentação que tinham em casa, estas desmancharam-se a rir. Porque será? A alimentação destas crianças e adolescentes que trabalhavam nas plantações de chá era feita sobretudo à base de peixe e batatas, apesar da abundância de vacas na ilha, sendo a carne para dias especiais.
No início do documentário ouve-se ainda a voz do narrador assegurar que estes adolescentes nunca verão este filme e que por isso não terão oportunidade de fazer o seu autorreconhecimento. Passou entretanto quase meio século, o chá permanece naquele lugar como elemento essencial e motor da economia local. A vida das pessoas e das crianças, por sinal, mudou e bastante. O que dizer agora depois de vermos o filme tantos anos depois?