Respondo-lhe
no pináculo da minha popularidade, no cocuruto da minha notoriedade pois já não
consigo palmilhar qualquer rua sem ser suspendido por vários transeuntes a implorar
por autógrafos, selfies e perguntas
sem nexo. Uma verdadeira amolação.
Aproveito assim para retorquir a sua
missiva em plena classe executiva do avião com os nervos à flor da pele, bastante
perturbado até, tendo acabado por relê-la na Sala VIP do Varna Film Festival. Constato que Janeiro criticou publicamente o
aparecimento do meu nome no horário nobre da televisão pública, irou-se com as
respetivas loas da intelligentzia local
à minha participação num folheto considerado por si de origem duvidosa, bem
como denegriu, aliás, feriu de morte, a comunidade artística presente na
apresentação do tão badalado opúsculo acabadinho de editar. Desta feita, pude
constatar que Janeiro não suporta o glamour televisivo e cinematográfico, rejeitando
de forma desmedida o universo da vernissage e do croquete. Entretanto, a
recepcionista do hotel veio devolver-me o kit de banho que o meu bom amigo
tinha esquecido durante o período da residência realizada em Varna, em que se
dedicou à pintura na Primavera passada. Já cá mora para lhe entregar na sua
próxima visita.
Fiquei
estupefacto, deixe-me confessar. E, à flor da pele, aspiro tecer duras críticas a seu respeito, já
que não poderia deixar de lamentar aqueles seus calções de banho com listas verticais
vermelhas e uma toalha verde-alface da mais alta burguesia, decadente e dondoca,
onde o meu amigo se move como uma jamanta. Imagine e, tendo em conta a nossa
já longa amizade, que decidi arriscar uma entrada no mar negro com os seus
rubros calções listrados. De imediato, senti-me com uma autêntica planta
exótica a derreter, mirrei da cabeça aos pés e quase desapareci de tanta
brancura. Certo que podia ter nadado com o meu escafandro, coisa que sempre fiz
nos mares gelados, mas quis experimentar o seu kit, sentir-me à medida de
Janeiro Alves, mas acabei um mês numa cama de hospital em convalescença.
Regressado à ilha, à minha bolha
existencial, tenho recuperado a rotina à conta de gengibre e beterraba. Ingiro
doses industriais de limão e por esse motivo não poderei estar presente na
homenagem que lhe será feita pela Sociedade das Artes e das Letras, já que
estou constantemente a ir à casa de banho. Foi, no entanto, com grande pesar
que soube que o “Compêndio Geral de Plantas Exóticas” - obteve o galardão de
“Pior
Livro do Ano 2017”. Estranho, pois tinha sido informado logo nos primeiros dias por um membro do júri que iria obter o prémio de “melhor livro”. A ser assim,
desconfio que alguém quisesse que Janeiro tirasse da arca o seu fato de asas de
grilo, a lembrar as últimas Conferências da Fajã, e, assim, desse um novo impulso
a esse trabalho glorioso em prol de prelecções futuristas que salvassem a
humanidade do degredo. Por este motivo, conto dizer apenas algumas
palavras de agradecimento por vídeo-conferência, enviar um emissário ao
beberete e de seguida augurar que o amigo Janeiro seja levado sob escolta até
Penedono, sem qualquer incidente. Aviso-lhe: eu nunca lerei o seu livro, já dei
indicações precisas ao carteiro para não aceitar encomendas pois ninguém sabe o que esta pode conter. Não me leve a mal mas prefiro gastar os 25 euros na pastelaria groumet que abriu junto do meu
escritório.
Concluo esta meritória missiva com um
até breve pois julgo que chegou a hora de terminar com tantos enxovalhos e
demais galhardetes. Talvez possamos a partir desta data partilhar este espírito
natalício da rabanada e da aletria. Afinal, vivemos apenas uma vida e não quero
passar a recordar os velhos tempos em que a fava e o brinde estavam prestes a
irromper na próxima fatia. Que sejamos felizes com os regalos e delícias da
quadra e do bolo rei.
Com elevada estima e apreço,
Doutor
Mara