segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Ponta Delgada: cheira a mudança o ar do tempo!

       
      Eis-nos em Ponta Delgada, a cidade de Antero de Quental, António Machado Pires, Tomás Borba Vieira, Zeca Medeiros, entre tantos outros, com o mês de Outubro ainda cheio de gente pelas ruas, com as lojas do centro a ganhar o colorido da estação outonal, com dias cada vez mais curtos e sombrios e a temperatura a solicitar outros tecidos, aquecimentos e agasalhos. O café Caziff, situado na Rua Dr. Guilherme Poças 12, detém uma pintura de uma deusa na parede, ao que parece pintada em estilo Art Déco por artista conceituado de origem nova-iorquina. É por aqui que se enceta o périplo citadino. Arrancamos, assim, sem temor à descoberta da luz e das sombras, à procura de medir o pulso à nova cidade que emerge desde a chegada das companhias aéreas associadas às Low Cost. A agenda cultural Yuzin está  espalhada pelas mesas deste espaço acolhedor, às vezes café, por vezes bar,  propenso a conversas e tertúlias, marcando desta feita o pontapé de saída e incursão pela cidade em mudança. A loja Louvre Michalense é visitada com curiosidade, perante um passado que é agora motivo de delicados  e saborosos encantamentos. Este novo recanto centenário, que já foi chapelaria e loja de tecidos, foi lugar de exposição do pintor Domingos Rebelo no século passado. Agora é também local de encontro para pequenos-almoços, lanches e compra de presentes e iguarias de natureza insular. Entretanto, houve um lançamento na Tipografia Micaelense –“Livro Árvore”, design de Nuno Malato e Júlia Garcia, pequeno objecto tipográfico no seguimento de muitos outros que um grupo de designers locais se têm dedicado a fabricar com materiais de encher olho e com as subtilezas da tipografia antiga.  As noites de poesia animam e, de que maneira, a Tasca da Rua de Lisboa nas noites de quinta-feira, pois por lá marcam presença Luís Andrade, editor dos “Capítulos A, B e C”- uma colectânea de poetas a residir nos Açores, ainda o jovem poeta Leonardo, autor do mais recente Âmbula, título que irá chegar em breve às livrarias nacionais pela Companhia das Ilhas, e com apresentação pública no final de Outubro, para além de outros conhecidos divulgadores ou activistas da cultura como João Malaquias ou João da Ponte. O dono de tão peculiar estabelecimento, Paulo Amado, é visto igualmente a ler poemas e a participar das sessões, por entre copos de tinto e presunto, não se esquecendo de arremessar uma ou outra farpa a poeta mais ardiloso. Incansável tem sido o trabalho da Galeria Arco 8, já com trinta anos no activo e com dez naquele actual barracão tão pertinho do mar. Há bem pouco foi tempo da dupla de músicos Medeiros/Lucas apresentar-se na Galeria Arco 8, momento para dar a conhecer as novas canções destes dois príncipes da Atlântida, desta vez com a companhia de Tó Trips, estando as paredes revestidas de fotografias da exposição “Código Postal: A2053N”, código de matrícula do arrastão “Joana Princesa”, do fotógrafo mariense Pepe Brix. Há poucas semanas estiveram por lá os músicos Zeca Medeiros e Rafael Carvalho, dois expoentes maiores do melhor que faz por terras açorianas, no que diz respeito à dicotomia musical entre a tradição-modernidade. Pedro Bento, responsável pelo Arco8, revela que tudo isto é feito com pouco ou quase nenhum apoio das entidades regionais. Neste momento, a fotografia é a rainha da sala de exposições com a reunião de diferentes autores em mostra designada de “OTIUM”. O Teatro Micaelense conta igualmente com uma programação profissional e regular, apostando essencialmente em nomes já afirmados no panorama musical, tendo sido ultimamente possível assistir aos concertos de Carlos do Carmo, do Sexteto de Jazz de Lisboa ou da açoriana “Bia”. Nesta incursão pela cidade, com francos sinais de renovação e vitalidade, houve tempo ainda para assistir na Ermida da Mãe de Deus à peça “A Passagem das Horas”, num texto de Álvaro de Campos, pela encenação e interpretação do actor Nelson Cabral. A peça seguiu entretanto para as Ilhas do Faial e Flores.
      O ar do tempo está, portanto, pulverizado pelo aparecimento de novos turistas através das companhias de baixo custo que começaram a operar desde Março passado! As pensões, pousadas e hotéis repletos e sem lugar para turistas pouco organizados. Estes que chegam ávidos de conhecer a cidade fazem com que os taxistas sejam incansáveis à chegada do aeroporto. Quase não há carros para alugar e o inglês é a língua que se impõe e vibra com a vontade de ganhar dinheiro rápido. É uma cidade em movimento, com muita gente curiosa para perceber e compreender que caminhos trilham o comércio, a vida social e cultural da pequena urbe insular, talvez entender até onde vai esta mutação ou o novo impulso dado ao centro citadino que até há bem pouco tempo se encontrava vazio e exânime. O que se pode pedir mais a uma cidade que está viva e se agita e balança no Outono e que vai mar adentro à procura do mais fundo de nós, até não mais parar?

O Doce Canto das Caldeiras

A cantora Bia
Bia actuou neste último sábado, dia 10 de Outubro, no Teatro Micaelense, numa sala composta ainda que não totalmente cheia como seria de esperar. A cantora de origem micaelense, nascida em Ponta Delgada no princípio dos anos 80, veio à sua terra natal apresentar pela primeira vez o álbum “Xi-Coração”. De nome artístico “Bia”, o seu nome é Beatriz Noronha, começou a cantar aos catorze anos de idade com a “Art Band”, e a partir daí nunca mais parou. Entretanto e, após diversas aventuras musicais, fez parte do grupo Xaile em 2004, tendo só este ano aparecido com o seu projecto a solo e a título individual. A cantora surgiu em palco com a sua banda para cantar temas como “Monopólio”, “Ora Viva”, “Uma Canção Comercial”, “Meio a Meio” ou “Indecisa Decisão”, entre outros, fazendo assim desfilar os seus convidados que a ela se foram juntando palco: Henrique Ben David (percursionista) e os músicos Zeca Medeiros e Rafael Carvalho. Bia apresentou assim os os temas presentes no álbum como se de um regresso a caso se tratasse, não se cansando de agradecer a muitos presentes, pais inclusive, a sua trajectória e herança musical. O momento alto da noite, que viria a ser replicado em encore com a sua irmã (Ana Braz), foi a canção “Sou de uma Ilha”, momento alto para ouvir em tom maior : “Sou de uma Ilha, não há volta a dar/ Onde o princípio do fim é só mar/Sou sangue fogo que há na cratera/ Sou de alma e de quem navega.” Não esquecendo, porém, o dueto muito bonito que esta encetou com Zeca Medeiros no tema “Carta de Despedida”.

Quatro Poemas de Karmelo C. Iribarren

Ya Está

Ya poseemos
casi todo
lo que nos iba
a hacer felices
Puede decirse
que lo hemos
conseguido

Ya está.

Ahora solo
nos queda
comprovar
hasta qué punto
fuímos sinceros
conostros
mismos.

Retratos del Poeta Adolescente

Un paquete de tabaco
un libro de poemas
cuarenta duros
para tomar unas cervezas.

Poca cosa, es verdade:
pero para mi
era suficiente.
Y entonces aparecieron las mujeres.

Conviene no olvidarlo

No hay nada
Grátis. Ni siquiera
lo que es grátis es grátis de verdad.

Siempre
te lo descuentan
de algun sítio.

Lo Difícil

Enarmorarse es fácil
Uno pude enamorarse
-sin demasiado esfuerzo –
varias veces al dia,
a nada
que se lo proponga
y se mueva un poco por ahí;
y si es verano,
ni te cuento

Enamorarse no tiene
maior mérito
Lo realmente difícil
-no conozco
ningun caso-
Es salir entero
de una história de amor.

60 Cêntimos e Pouco Sono

É aqui o fim da noite
crepitam linhas no papel
a insânia do teu esgar
devastado e danoso
como se anunciasse ao longe
o fogo das castanhas de Novembro

Os Dias Normais

Chegam
e vão-se
sem deixar rasto
   e tu ficas a vê-los
a afastarem-se sobre os telhados
-e com eles, os anos-
e apenas sentes nada
ou sentes algo, vago,
que não sabes decifrar
                  são os dias
normais, os de sempre,
os que parecem que passam
à distância,
os assassinos
do amor.


Karmelo C. Iribarren