sábado, 4 de novembro de 2017

Dos Versos...

Fotografia de Escultura de João Cutileiro
(Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada)
Não me recordo da primeira vez que li poesia. Desde que me conheço que aprecio ler livros de poemas, há ali qualquer coisa de preciso na reunião das letras, no agrupar das metáforas, nesse colher de sentido acorrilhado num texto poético. Ainda hoje não soube explicar porque me contento tanto ao ler poetas ou quem me terá persuadido neste ímpeto e safra diária que faço das letras que carecem de explicação. A generalidade das pessoas de quem gosto e de quem sou amigo preza muito ler ou faz hábito da leitura de poemas no quotidiano. Desconfio também que somos melhores a ler os textos do que a compreender as pessoas e o universo que nos rodeia. O que faz com que a maioria das vezes sejamos surpreendidos com as suas reações ou a incoerência e impiedade dos seus comportamentos ou mesmo que reconheçamos quando alguém age deliberadamente com o intuito de agredir alguém e pretenda abertamente pôr a pata em cima. Desconfiamos, claro, do mal e tentamos realizar uma leitura esforçada dos gestos de quem o pratica, ainda assim convém que não façamos de conta que nada se passou. Os filósofos a sério, aqueles que gostamos de seguir, são aqueles que sabem interpretar a humanidade que nos rodeia e conseguem predizer o futuro. Os poetas, felizmente, não têm essa pretensão. Há qualquer coisa de vate que faz com que consigam ler por instantes os pensamentos dos outros sem dar uma explicação racional do mundo e da humanidade. Desta feita, os poetas “explicam” através dos versos, da vida feita metáfora, intuição, a nossa existência. E, por isso, é que passamos os dias a lê-los.

Che Bellezza, Luigi Tenco!

       
         A noite avançava muito alta no "Colégio 27" e o serão resumia-se a esperar pela música de Marino Formenti que tocaria na véspera daquele feriado com os músicos locais que se decidissem a aparecer. Escancarados e apertados naquele minúsculo espaço de audição e fruição, saciados em petiscos de peixe do fundo e vinho branco fresco, aquela reunião de músicos prometia transformar-se em experiência de partilha, agitada que se tornou em ousadia e criatividade. 
       Marino Formenti saltaria entretanto para o piano para proferir em verso: "Mi sono innamorato di te/perche/ non avevo niente da fare" e fizesse com que alguém retivesse o nome de tal versejador - Luigi Tenco. Ao procurar a origem deste tema vejo que este foi gravado pela editora "Ricordi" em Novembro de 1962 e, por isso, não se parou de vasculhar sobre este cantautor de tão intensa e verdadeira declaração de amor. É que, logo de seguida, na conclusão da madrugada, os versos deste ainda ecoavam como borboletas esvoaçantes numa arrepiante e desconcertante certeza desse sentimento cristalino: “Mi sono innamorato di te/ e adesso non so neppure io cosa fare”. 

"Interior/Exterior" no Museu Carlos Machado