Ingmar Bergman, Sven Nykvist, Erland Josephson e Liv Ullmann |
«Irascível
e impaciente, concordou, no entanto, em começar a nossa conversa (talvez a
primeira ou única com um jornalista português) por aludir às suas funções e
ambições como director da primeira cena nacional da Suécia. “Não quero ser
dogmático. Não entrei aqui para reformar tudo. Sou um artista, não sou nenhuma
vassoura. O que é bom deve manter-se. Recebi este cargo como se recebe um fato
novo. A forma aparecerá com o tempo.” …. Na realidade, as de início muito
criticadas medidas audaciosas então lançadas por Ingmar Bergman cedo começaram
a surtir efeito e a recolher o aplauso geral. Ele chamou a grande maioria dos
atores, encenadores, dramaturgos e diretores teatrais suecos, incluindo os
intérpretes dos seus filmes, garantindo-lhes boas condições profissionais e
financeiras. Libertou-os de exclusividades absurdas, dando-lhes plena
autorização para aplicar o seu talento na valorização da arte e no benefício do
público em todas as oportunidades possíveis. No Real Teatro Dramático ou
noutros palcos, na capital ou na província, no cinema ou na televisão. Realizou
teatro para crianças e estudantes em salas alugadas. Levou fragmentos do
Dramaten vários pontos do país. Incluiu um reportório infinito, com as obras
mais atuais e discutidas em qualquer ponto do mundo. Criou teatro a preços de
cinema.
“O
mais importante é a difusão do teatro e o direito do público de apreciar o
melhor” – “Satisfeito com os resultados?” – perguntei. Resposta: “Nunca poderei
estar contente desde que haja uma cadeira vazia num espetáculo.”.
(…). Sempre foi evidente que para
Bergman a arte era um sacerdócio. Na sua opinião um artista só devia
desempenhar figuras pelas quais se apaixonasse. Contrariamente ao normal, não
forçava os atores a adaptarem-se sacrificadamente às personagens das suas
obras. Ao criar histórias, modelava-as desde o princípio às características genuínas,
mentalidade e temperamento dos artistas com quem contava. Detestava mudar de
intérpretes nos seus filmes. Uma grande parte dos seus atores trabalhava com
ele ininterruptamente há mais de vinte anos. “Quando trabalho num filme ou numa
peça, todas as personagens se metem de tal forma na minha cabeça, que eu
próprio chego a submergir nelas” – confessou.»
César
Faustino in E, Revista
do Expresso, 1 de Dezembro de 2018