Há muitos anos, numa passagem por Constância, após
presença e vivência na zona da raia, visitei a Biblioteca Alexandre O´Neill, e,
para lá de ter encontrado um arquivista/bibliotecário apaixonado e encantado
com as histórias deste poeta, pude certificar-me que a biblioteca era detentora
do espólio da casa de férias do autor de “Um Adeus Português”, encontrando por
ali as suas paixões literárias (alguns italianos, como Sandro Penna, Giovanni
Raboni, Quasimodo, etc). Ainda as suas fixações poéticas patentes em
dedicatórias, sobretudo uma bem especial assinada pelo seu amigo, Ruy Belo, na
primeira página de “Homem de Palavras”: "Ao
Alexandre, condenado a só ver de longe em longe, mas sempre camarada e amigo,
com um abraço do Ruy". Alguns anos depois, posso confirmar que nenhuma
biografia pode devolver de forma tão abrupta aquela afinidade, a porção de
afecto e camaradagem entre aqueles dois poetas de eleição, patenteada naquela amostra de
caligrafia.
Há três anos atrás, na ilha Terceira, mais concretamente
na cidade de Angra do Heroísmo, fiquei a conhecer a amizade superlativa que
existia entre um poeta, Rui Duarte Rodrigues, e o maravilhoso autor de “O Cantar
Na M´Incomoda”, o músico, Carlos Medeiros. Dessa convivência, tomei nota dos
dias passados em conjunto no café “Portugália”, a partilha de músicas e de
versos, a cumplicidade esmagadora, quase febril, a comunhão entre
personalidades tão opostas. Foi certamente uma alegria poder comprová-la,
essencialmente através do depoimento de amigos, saber de tão profícua união,
geradora de encontros, discussões, controvérsia, criatividade. Uma satisfação criadora,
de facto.
Entretanto, uma amiga de confiança, deu-me a conhecer um poema que o poeta micaelense, Armando Côrtes Rodrigues, dedicou
ao seu eterno amigo, o pintor Domingos Rebelo, reforçando assim a ideia de amizade
desmedida entre ambos e a cumplicidade expressa em simples dedicatória que abre
o respectivo texto poético, agora digitalizado: “a ti, que vives o sonho da tua arte, inútil para a maioria dos homens,
a sinceridade destes versos”. Decorria o ano de 1931 em São Miguel, a ilha
não era o que é hoje, vive-se, é certo, um período de globalização acelerada
pautada pela rapidez das tecnologias e das redes sociais, continuando a existir
amigos que pintam e escrevem. Será que a amizade ainda hoje se mantém fecunda?