quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A Amizade e a Inutilidade da Arte

             Há muitos anos, numa passagem por Constância, após presença e vivência na zona da raia, visitei a Biblioteca Alexandre O´Neill, e, para lá de ter encontrado um arquivista/bibliotecário apaixonado e encantado com as histórias deste poeta, pude certificar-me que a biblioteca era detentora do espólio da casa de férias do autor de “Um Adeus Português”, encontrando por ali as suas paixões literárias (alguns italianos, como Sandro Penna, Giovanni Raboni, Quasimodo, etc). Ainda as suas fixações poéticas patentes em dedicatórias, sobretudo uma bem especial assinada pelo seu amigo, Ruy Belo, na primeira página de “Homem de Palavras”: "Ao Alexandre, condenado a só ver de longe em longe, mas sempre camarada e amigo, com um abraço do Ruy". Alguns anos depois, posso confirmar que nenhuma biografia pode devolver de forma tão abrupta aquela afinidade, a porção de afecto e camaradagem entre aqueles dois poetas de eleição, patenteada naquela amostra de caligrafia.
             Há três anos atrás, na ilha Terceira, mais concretamente na cidade de Angra do Heroísmo, fiquei a conhecer a amizade superlativa que existia entre um poeta, Rui Duarte Rodrigues, e o maravilhoso autor de “O Cantar Na M´Incomoda”, o músico, Carlos Medeiros. Dessa convivência, tomei nota dos dias passados em conjunto no café “Portugália”, a partilha de músicas e de versos, a cumplicidade esmagadora, quase febril, a comunhão entre personalidades tão opostas. Foi certamente uma alegria poder comprová-la, essencialmente através do depoimento de amigos, saber de tão profícua união, geradora de encontros, discussões, controvérsia, criatividade. Uma satisfação criadora, de facto.
           Entretanto, uma amiga de confiança, deu-me a conhecer um poema que o poeta micaelense, Armando Côrtes Rodrigues, dedicou ao seu eterno amigo, o pintor Domingos Rebelo, reforçando assim a ideia de amizade desmedida entre ambos e a cumplicidade expressa em simples dedicatória que abre o respectivo texto poético, agora digitalizado: “a ti, que vives o sonho da tua arte, inútil para a maioria dos homens, a sinceridade destes versos”. Decorria o ano de 1931 em São Miguel, a ilha não era o que é hoje, vive-se, é certo, um período de globalização acelerada pautada pela rapidez das tecnologias e das redes sociais, continuando a existir amigos que pintam e escrevem. Será que a amizade ainda hoje se mantém fecunda?

Das Utopias

    "O que me parece forte em algumas utopias sociais ou artísticas do século XX é que o centro da utopia não era viver mais tempo, era viver de forma diferente."

Gonçalo M. Tavares, in Público, 8 de Janeiro de 2015.