Fotografia de Carlos Olyveira |
Novembro teima em despedir-se, faço-lhe a vontade,
inclino a cabeça para o futuro e avisto navios no horizonte. Não tarda nada
entrará Dezembro, o último mês do ano. A água do mar está mais quente do que
aquela que corre no chuveiro. A temperatura do ar continua irrepreensível,
permitindo-se em jeito de reflexão pensar no frio que virá... ou será que não teremos frio?
Bebemos agora muito muito mais chá já que assumimos que os dias são curtos, os
agasalhos alinhados, e eis que a claridade esvai-se muito cedo. De súbito,
estremecemos com a passagem dos dias que cortam o fôlego de tão lestos,
ansiosos e demasiado rápidos sem darmos conta. Entramos assim na recta final do
ano dezassete deste século XXI.
Celebramos, portanto, a melancolia típica da estação.
Julgamos ser este o mês dos fotógrafos, dos pintores, dos músicos e das artes
que exultam esta morrinha existencial tão própria do Outono. Por isso a cidade é lugar de
exposições, espaço de renovação deste nosso olhar que queremos atento, na busca
curiosa ou demanda das artes visuais na contemporaneidade. Que arte e artistas
para este tempo? Em lugar de visionamento e contemplação ali está, no Núcleo de
Arte Sacra, a exposição de fotografia “Prece Geral”, mergulho interior nas
imagens veneráveis e privilegiadas de Daniel Blaufucks aquando andou em visita
pelo Mosteiro da Cartuxa. Em exibição também e, até à Primavera do próximo ano,
ficará “Interior/Exterior”, com curadoria de Nuno Marques da Silva e Luísa
Cardoso, que nos revelam a riqueza e singularidade das obras presentes nas
colecções do Museu Carlos Machado. Visitamos a mostra com essa delicadeza da
ocupação do espaço e o cheiro a criptoméria, aproveitando assim para ver obras
de artistas plásticos - Ana Vieira, Domingos Rebelo, Tomaz Borba Viera,
Ernesto Canto da Maia, Duarte Faria Maia, Pedro Palma, entre tantos outros que
aqui viveram, vivem ou por aqui deixaram obra. Do mesmo modo, que quem quiser
ver os animais que vivem à noite enquanto dormimos, pode sempre dar um salto à
Miolo, galeria multi-artes, na rua Pedro Homem, e assistir assim à proposta de Mariana
Lopes, que regressa muito mais intimista, quase secreta, fortalecida neste seu
trabalho solitário e luminoso, percorrendo veredas e mato, em busca dos
segredos escondidos da Ilha do Faial. Ao observarmos esta exposição retiramos
outra perspectiva/abordagem imagética do arquipélago e, talvez por isso, estas
imagens necessitassem de uma maior amplitude e profundidade.
Ainda nestes últimos dias de Novembro, para lá das
castanhas nos pratos e o vinho tinto nos copos, aqui esteve em delícia, sumptuosidade e arrojo -“Viagens na
Nossa Terra", recital de Joana Gama, interpretando obras de Amílcar Vasques-Dias e
Fernando Lopes Graça, mais aquela tarde de sábado com sonhos e pesadelos de
“Nocturno”, num espectáculo de Victor
Hugo Pontes e Joana Gama, a partir das surpreendentes composições sonoras de João Godinho. E...agora que
recordamos as promessas por cumprir no ano que vai rapidamente encerrar, conviria recordar
que, muito embora o fim deste ano esteja próximo, sempre nos restam os versos de Ruy Belo: "Não temas porque tudo recomeça/ Nada se perde por mais que aconteça / uma
vez que já tudo se perdeu”.