sábado, 27 de abril de 2019

Cinco Poemas a Fechar Abril

Desta Nebulosa Promessa

Aconteceu numa viagem em falta
tal cometa a aproximar-se
os fios estirados na estrutura
alimento lento em comunhão
houve leveza e brevidade
comoção e expansão da luz
a fusão ao sublinhar da chama
prometia ser simples a distância
laços linhas anéis círculos
até nada mais se saber do plano
o sol incitado a recuar

Aquário sob Fogo

Desveladas quimeras na liquidez
raiz de nuvem a despontar
acresce o princípio da causalidade natural
potência e energia 
abalo num estado de atração
poder e rosto na matéria do universo
inclinação e tenacidade
invisibilidade remanescente das unhas.


À Margem da Arquitectura

Da solene arquitectura pressentida
surpresa na luz à saída
casa-ilha desenhada de perfil
encobre linhas dessa herança
ruína por si só já garantida
destino e pilastras erigidas
cada qual no seu casulo
impedem ponte ou rumo 
hibernação 
até do traço e do desenho.


Janelas Fechadas à Passagem

É dia de celebração com janelas
cerradas, silenciosas à passagem
nada se inventa para lá do esperado
mesa sobejamente minúscula 
apta a carregar rotinas
enuncia a cor da vida de enfiada
uma conceção do labor que embala
regras rigor tramas desafios
abala o propósito de chegar longe
isto de ser alegre e de ser livre

Algures da Tristeza: a Tua Ausência

A gravura no café airosamente ensina
imaginar indigências na tua ausência
cavo um fundo desapego ao silêncio
dor e queda em teu rochedo
sento naquele banco o desalento
desatino súbito a desbobinar:
-Amar é rir sem saber de quê?

Paragem de Autocarro

Auguro-te uma estrepitosa espera
enquanto lembras mulheres que abandonaram
sem horário nem calendário
ponteiros de relógios desligados à partida
nuvens sem destino o sol tímido
à promessa do calor um afago
lenga lenga da felicidade repetida
dado que ninguém chega ou parte
aborrecido da hora em movimento 

O Mar em Campo Aberto

Escutas o mar em campo aberto
Fuga elegíaca de Castelnuovo Tedesco
Comoção lúdica na porosa espera
Valsa servida em modo ligeiro
Ou o fácil vínculo dos guitarristas
É de desalento o recital ao fundo
Nessa casa-barco-ilha que flutua
O Atlântico herda o sono dos músicos
Distribuindo flores à fantasia
Fresca e perpétua escritura

Um Verso de Sharon Van Etten

Turn me into something great, you know that that's the only way

Dos Actores

        "Sim, os grandes actores, aqueles que amamos, são aqueles que têm uma ferida, uma mágoa lá dentro, Montgomery Clift para sempre, Lalande e Augusto de Figueiredo aqui; que eu os vi, sim."
Jorge Silva Melo, in "A Mesa Está Posta", Cotovia, 2019.