“Queria partilhar consigo, Caro Doutor Mara, sete anotações que tenho
vindo a compilar sobre a sétima arte: 1º
Um filme é sempre pessoal e intransmissível. Pode-se ver acompanhado, mas a
sua assimilação é um acto individual, pois os olhos vêem o mesmo, mas observam
coisas diferentes. 2º Os críticos de
cinema são para mim os caixotes de lixo de Almada Negreiros, despejados à porta
dos que sofrem da impotência de criar. 3º
As grandes produções que têm o intuito do lucro, são um ludíbrio para o
espectador pelo vazio da sua espectacularidade 4º Não é verdade a afirmação de que o cinema morreu no século
passado, como muitas vezes ouvi. É que o cinema do passado, o tempo já se
encarregou de filtrar. Na contemporaneidade, somos confrontados com a amálgama
experimental 5º Não existem bons ou
maus filmes, existem filmes que gostamos, e filmes que não gostamos. 6º Um filme aclamado não serve para
nada, na medida em que reúne consensos. 7º
A música existe porque existe cinema, porque o cinema é a vida, e a música
é aquilo que não o deixa morrer”
Janeiro Alves
"Tirez sur le pianiste"de François Truffaut(1960) |
Tudo leva a crer que os lugares da cinefilia estão a mudar. A passagem de cinema autoral a altas horas da madrugada nos canais do costume e com os cinemas emblemáticos das cidades a desaparecer ou destinados a consagrar ou a celebrar os filmes que estão a dar, há, portanto, outras pessoas dispostas a mostrar e dar a conhecer outras imagens e novos imaginários cinematográficos. Gente que não se importa de se sentar em cadeiras na rua ou estar sentada em poufs ou sofás em galerias e bares para assim poder dar a ver filmes antigos, a cores ou a preto e branco. Foi assim que esta semana foi possível ver o segundo filme do jovem François Truffaut na Galeria Arco 8: “Tirez sur le pianiste”, de 1960, que tem como actores Charles Aznavour, Marie Dubois, Nicole Berger, Michèle Mercier e conta ainda com uma banda sonora notável, já que ouvimos o Boby Lapointe cantar ao vivo o “Framboise” ou ainda escutar nos minutos finais o “Dialogue d´Amoreux” cantada por Félix Leclerc e Lucienne Vernay. O filme resume-se à história de Charlie Kohler que é pianista num bar recôndito de Paris e que tem uma empregada que está enamorada por ele. O irmão deste é perseguido por dois bandidos: Momo e Ernest. De seguida, descobrimos que o seu verdadeiro nome é Edouard Saroyan e que se trata de um executante talentoso que desiste de viver quando a sua mulher se suicida. François Truffaut exerce tantos anos depois uma frescura e vitalidade, para além de uma excelente direcção de actores e uma sagacidade incrível para falar de coisas sérias de forma tão curiosa e jovial, o que não deixa de ser contraditório pois o filme foi um fracasso de público e os jornalistas cheeqaram mesmo a decretar o fim da nouvelle vague.