domingo, 5 de maio de 2013

Maio


Fotografia de Tânia Santos
“Ninguém discute a acção moralizadora das flores e das coisas simples, humildes e ao mesmo tempo grandes da natureza – as águas correntes, a luz, as montanhas. A vida sabe-nos melhor quando podemos abrir as janelas, ainda que sejam de um cubículo – para o ar livre e a natureza magnífica; o pão nosso de cada dia tem outro gosto, ainda que seja de rala, se o comermos em frente de um molho viscoso, fresco, todo pulado de orvalho, de margaridas, de açucenas, de lilases. Tudo o que é belo torna-nos grandes e simples.”

Raul Brandão, Maio, in Brasil-Portugal, Lisboa, 16 de Maio de 1901, pp.125-126. Tb in Vimaranense, Guimarães, 5 de Maio de 1917.

Queixas de um utente, de José Miguel Silva



Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.

Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.