sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Da Geografia

"É claro que a Geografia me serviu muito. Sabia distinguir num relance, a China do Arizona. É muito útil, sobretudo quando andamos perdidos na noite."
                                                                                           
in Principezinho, Antoine Saint-Exupéry.

Um Verso de Fernando Assis Pacheco

E a melancolia é uma doença nefasta

domingo, 24 de setembro de 2017

O Melancólico Fusco que vem do Norte Europeu



          Foi-se embora o Verão de calendário mas a temperatura e a humidade continuam sufocantes. Foi, não podemos negar, a estação mais cálida e abafada do ano. Esta temporada estival despede-se e é, portanto, quando usamos mais o sentido da visão, pois vivemos sob o signo da claridade e da luz solar. Agora, para nosso descontentamento, a noite chega mais cedo. Outros sentidos tomarão conta das nossas curtas vidas ali no exterior. Que assim seja, com os ouvidos à escuta neste melancólico fusco que vem do norte: “Life will See You Now”, de Jens Lekman. 

sábado, 23 de setembro de 2017

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

"Muros de Pedra" de André Laranjinha

O filme estreia hoje, às 21h30, no 9500 Cineclube
MUROS DE PEDRA

             Um filme de André Laranjinha, numa coprodução Alice’s House e Museu Carlos Machado
Documentário, 2017, 15 minutos
Entrada Livre

         Este filme é um olhar subjetivo sobre a arte de construir em pedra, tanto na sua dimensão de empreendimento e engenho humanos, como na dimensão da essência material das pedras, que é também a essência da própria ilha: lava.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

São Miguel: Uma Doce Melancolia

Daqui: www.wook.pt/
“A melancolia é uma arte. Vede quanta beleza existe no próprio e simples dizer das cinco sílabas desta palavra: me-lan-co-li-a. Agridoce, tão próxima do silêncio interior como das mágoas do olhar, nos Açores esta palavra é comum a todas as ilhas. E a todas as pessoas. Mas em nenhuma delas como em São Miguel ela resulta tanto desta forma de contemplar o encanto da paisagem: de a ver de coma (quando se sai da Ribeira Grande para o alto da serra, a caminho da Lagoa do Fogo): a gente pára ali, a meio da encosta, volta-se para trás, e pasma. Deslumbra-se com o que tem à frente dos olhos. Aquilo que se avista de lá de cima é como um tombadilho gigantesco, todo verde e quase plano, o qual roda em círculo connosco e envolve o gesto que aponta para aquém da cidade da Ribeira Grande e de Rabo de Peixe. A palavra melancolia vê-se também no próprio espanto que em nós estranha e não explica o verde-azul-amarelo da terra mar, corpo lânguido e feminino da paisagem, trecho da costa norte fendido ao meio pela Ponta do Cintrão: baixa, e até maneirinha, à esquerda; alta e muito recortada para as bandas de Porto Formoso. Os tons esmeralda da pradaria e das matas de incenso e criptoméria parecem a um tempo colidir e complementar-se entre si; ao longe e em baixo, a brancura das casas – que se perfilam ao longo das ruazitas desertas, tortuosas, com as suas barrinhas de basalto em volta de portas e janelas – resplandece acima dos verdes múltiplos da terra, como numa marcação a giz dessa cor.
A paisagem que do alto se despenha aos nossos pés, primeiro a prumo ou em declive acentuado, depois num remanso que se derrama até o azul do mar, prolonga-se afinal até se espraiar pelos cerrados de milho e tremoço, pelos hortos e jardins do tabaco e pelos campos de chá. O prazer e o assombro de tanta beleza excedem o nosso modo de olhar. Passam para além do pasmo e recordação.”
João de Melo, in “Açores – O Segredo das Ilhas”, Publicações Dom Quixote, edição revista e acrescentada, 2016. 

Nada Tenho de Meu de Miguel Gonçalves Mendes

Hoje, às 21 horas, na Galeria Arco 8
    
          “O realizador português Miguel Gonçalves Mendes e os escritores brasileiros Tatiana Salem Levy e João Paulo Cuenca viajaram até ao Extremo Oriente para uma troca de experiências com artistas e pensadores de Macau, Hong Kong, Vietname, Camboja e Tailândia. Desse contacto, que surgiu depois dos 3 autores terem sido convidados a estar presentes no "1º Festival Literário de Macau - Rota das Letras", nasceu a série de 11 episódios “Nada tenho de meu”, descrita pelos seus autores como “uma mistura de caderno de viagens e ficção".


Daqui:http://www.mgm.org.pt/mgm

Um Verso de Zeca Afonso

Mulher na democracia não é biombo de sala

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O Cinema de Miguel Gonçalves Mendes na Galeria Arco 8

"Nada Tenho de Meu", dia 13 de Setembro    

     


           “Em Portugal, a normalidade da convivência pura e simples não existe. Persiste uma visão infantil e bipolar, em que coexistem o “nós” perfeito e os “outros”, uma cambada de inúteis e oportunistas. Existe uma total ausência da noção do que é o bem comum. Entretemo-nos em guerras inúteis, destruindo o caminho uns dos outros. Nada se constrói, nada tem continuidade. E o “outro” é um alvo permanente a abater.”
(…)Em Portugal, salvo honrosas excepções, a crítica não faz crítica, ou fá-la como uma criança de cinco anos: ama ou odeia. E nesta falta de consistência, confundida com exercício de poder, o crítico sente-se crítico apenas no momento em que determina a selecção daquilo que deverá integrar o corpus cultural do país — ou seja, a crítica não perdoa e só reconhece quem foi criado por si.
Os colegas de profissão, em geral, desprezam-se e digladiam-se como se não existisse espaço suficiente, sem perceberem que o mundo é diverso e que, na arte, ninguém ocupa o lugar de ninguém. Num país de dez milhões de habitantes, onde se produz uma média de menos de 20 longas-metragens por ano, coabitam duas associações de realizadores e duas de produtores que rivalizam entre si. É mais do que triste: é confrangedor. E existem ainda os “brilhantes falhados”, aqueles que desprezam tudo o que os rodeia porque nunca fizeram nada — e geralmente odeiam o sucesso do outro por ser esse o espelho da sua própria inacção.”


Miguel Gonçalves Mendes, in Público, 9 de Dezembro de 2016

sábado, 9 de setembro de 2017

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Janeiro Alves Redarguiu Pouco Tempo Antes do Verão Capitular

Caríssimo Doutor Mara,

É com enorme regozijo que recebo a sua missiva, que como é costume, constitui o testemunho bem redigido de uma vida de ócio e laxismo, e que me diverte nestas curtas pausas que faço para o ler. Na verdade, e ao contrário da vida pacata do meu amigo, estou num pleno de afazeres que se devem à meticulosa preparação da minha viagem, sobre a qual ainda não tive o prazer de o informar, mas que dentro de poucas palavras o meu amigo ficará ao corrente. Há umas semanas atrás, tentando escapar a um fluxo de turistas algo descontrolado e sob o efeito de uma relativa histeria, decidi ir visitar uns antiquários suburbanos, onde acabei por comprar uma Leica de 1985, impecável, a estrear. Comecei logo ali a fotografar a suburbanidade. Ao passar numa zona mais comercial, olhei para a loja Pull & Bear. Não entrei, fiquei apenas a observar o nome da loja. Foi então que decidi ir fotografar ursos para a América do Norte. Parto amanhã para o Canadá, apenas com uma pequena mala onde tenho todo o tipo de apetrechos para a máquina, um camuflado a imitar carvalho americano, algumas conservas bom petisco e uma garrafa de macieira, e um livro sobre ursos, para além de outras bugigangas e roupa quente. Assim, serei breve nesta minha carta, pois vou agora a um workshop de “defesa pessoal perante um ataque de urso”, e ainda tenho de ir comprar cotonetes.
Deixo-lhe por fim meia dúzia de palavras para lhe dizer que conto consigo para a elaboração da agenda para as Conferências da Fajã de 2018, pois o evento aproxima-se e o Doutor Mara necessita de pôr as suas capacidades ao serviço da sociedade pós-moderna, em detrimento desse arrastamento doentio em que se encontra, da cama para o sofá, do sofá para a tasca, da tasca para as termas, das termas para o jardim, do jardim para o restaurante, do restaurante para a sauna, da sauna para a festa, da festa para o sol que lhe queima as pestanas e lhe coze o cérebro.
Se não der notícias da América do Norte e se entretanto não for comido por um urso ou atropelado por uma carrinha de caixa aberta, dar-lhe-ei as mais refrescantes novidades no meu regresso. Até lá, um bem-haja e prepare-se para o frio que aí vem. Cuidado com os nevoeiros ou neblinas matinais, e outras coisas que tais.

Deste seu humilde servo,

Janeiro Alves

Τα σύννεφα στον ουρανό των Αζορών *

Fotografia de Carlos Olyveira

Um Verso de Herberto Helder

Humildemente faço minhas palavras gratas

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Missiva Breve a Janeiro Alves no Render do Verão

Caro Janeiro Alves,

Escrevo-lhe no render do Verão e, queira o meu mui nobre amigo acreditar, só agora decido sair destes aposentos em que me encontro. Estive, assim, durante toda a canícula recluso, a maior parte do tempo à sombra, aproveitando para recuperar forças entre outras coisas que entretanto se encontravam ocultas. Acredite, um Agosto inteirinho dedicado à penumbra e à avassaladora quietude.
Estive, por isso, afastado da regeneração urbana em curso, longe dos ruídos das betoneiras e dos caterpílares e, por isso, nem fui capaz de verificar com os meus próprios olhos como se encontram os contentores do lixo com o aumento da população em redor. Estou, como deve calcular, ávido de novidades e convicções que este mundo contemporâneo nos queira oferecer de mão beijada. Devido a esse facto, acabo de sair para dar um mergulho num conjunto de praias que me são familiares: São Roque, Pópulo e das Milícias, Água de Alto, Vinha da Areia e Amora.
Sendo assim, despeço-me alegremente deste estio ao mesmo tempo que aproveitei para comprar um par de óculos escuros de marca que estavam em promoção pois ainda ninguém tem a certeza até quando teremos a presença do rei Sol. Quanto a refrescos continuo fielmente a optar pelo “sumo de lúpulo e cereais maltados” que as entidades locais se orgulham, e bem, em produzir. No entanto e, enquanto julgo durar a renda deste moinho alugado, tenciono rever um pequeno ciclo de cinema italiano da restauração e cujas lembranças subsistem na minha memória. Agora e, talvez porque acabo de partir o eixo da bicicleta que me transportava na via pública, começarei pelo “Ladri di Biciclette”, de Vittorio de Sica, seguindo-se o “Il Vitelloni” do Federico Fellini e, por fim, irei ver “Il Sorpasso” de Dino Risi. A vantagem dum ciclo caseiro é que podemos parar o DVD, voltar atrás, beber mais uma “mosca”, tirar algumas notas e prosseguir a reflexão fílmica em curso.
Aproveito, entretanto, para augurar ao meu amigo Janeiro, um bom regresso à antiga capital do império e faça de conta que aquilo que ouve é a língua dos seus compatriotas  tal qual os táxis que avista continuam a ostentar o preto nas portas e o verde no tecto. Por fim, caso possa, beba um verde tinto e coma um pastel de bacalhau em honra deste seu amigo que fica a aguardar as suas notícias que, ao que julgo e desconfio, devem ser frescas e boas.

Com o respectivo abraço e elevada estima que nutro por si,
seu amigo eterno

Doutor Mara

Voz de Veludo

Daqui:http://www.4ad.com
“I was gifted at the music
I was born the day the year was new
Someone has stolen all the water
I keep the pills inside an urn”

Aldous Harding, Stop Your Tears, 2014

O que impressiona nesta voz modelada, cavada, quase inspirada e que quase se perde na respiração é que nos parece assustadoramente sincera. Aldous Harding nasceu em 1990 numa pequena cidade, Lyttelton, na longínqua Nova Zelândia. Crescida no interior de uma família de músicos, a sua mãe é Lorina Harding, com larga tradição de cantores, e que terá sido descoberta pela produtora Anika Moa. A edição deste seu segundo disco, intitulado “Party”, pertence à mítica 4AD, depois da cantora ter sido representada em nome próprio pelas” Flying Nun Records” e “Lyttelton Records” no seu primeiro disco. O registo, sentido e melancólico, mantém-se.
A cantora que, ao que tudo indica foi descoberta a cantar nas ruas,  autodenomina-se de gótica e folk. O que é um facto que estamos na presença de uma exímia escritora de canções com apenas dois álbuns, tendo já colaborado com uma plêiade considerável de músicos: John Parish, Mike Hadreas, Marlon Williams e  Fenne Lily, entre outros.

Ontem, escrito numa parede da cidade

Tu fizeste-me descrer na humanidade

Seria o Amor Português

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta?

Fernando Assis Pacheco, in “A Musa Irregular”, Assírio & Alvim, Novembro de 2006  

Um Verso de Joaquim Castro Caldas

num desses países onde se esquecem de nós para sempre

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

sábado, 2 de setembro de 2017

Sina Saudade de Medeiros/Lucas

Oh, que me fosse dado
Ir lá ter contigo
A essa terra de cal e pena

Oh, que me fosse dado
Ir lá ter contigo

Também nunca me vi de espanto
Feito dessa loucura
Na terra de vil ternura
Que é Sina Saudade

Orça tal delírio
Pesa esse fulgor
Feito na cidade
De Sina Saudade

Ah! Que me fosse dada
Passagem sem tributo
A essa terra de vil Sirena

Ah! Que me fosse dada
Passagem sem tributo

Também nunca me vi lanhado
Carente de sutura
Na terra, curva planura
Que é Sina Saudade

Pousa esse lírio
Sente esse ardor
Feito na cidade
Que é Sina Saudade

Letra: João Pedro Porto

sexta-feira, 1 de setembro de 2017