Caríssimo Doutor Mara,
É com enorme
regozijo que recebo a sua missiva, que como é costume, constitui o testemunho
bem redigido de uma vida de ócio e laxismo, e que me diverte nestas curtas
pausas que faço para o ler. Na verdade, e ao contrário da vida pacata do meu
amigo, estou num pleno de afazeres que se devem à meticulosa preparação da
minha viagem, sobre a qual ainda não tive o prazer de o informar, mas que
dentro de poucas palavras o meu amigo ficará ao corrente. Há umas semanas
atrás, tentando escapar a um fluxo de turistas algo descontrolado e sob o
efeito de uma relativa histeria, decidi ir visitar uns antiquários suburbanos,
onde acabei por comprar uma Leica de
1985, impecável, a estrear. Comecei logo ali a fotografar a suburbanidade. Ao
passar numa zona mais comercial, olhei para a loja Pull & Bear. Não entrei,
fiquei apenas a observar o nome da loja. Foi então que decidi ir fotografar
ursos para a América do Norte. Parto amanhã para o Canadá, apenas com uma pequena
mala onde tenho todo o tipo de apetrechos para a máquina, um camuflado a imitar
carvalho americano, algumas conservas bom petisco e uma garrafa de macieira, e
um livro sobre ursos, para além de outras bugigangas e roupa quente. Assim,
serei breve nesta minha carta, pois vou agora a um workshop de “defesa pessoal
perante um ataque de urso”, e ainda tenho de ir comprar cotonetes.
Deixo-lhe por
fim meia dúzia de palavras para lhe dizer que conto consigo para a elaboração
da agenda para as Conferências da Fajã de 2018, pois o evento aproxima-se e o
Doutor Mara necessita de pôr as suas capacidades ao serviço da sociedade
pós-moderna, em detrimento desse arrastamento doentio em que se encontra, da
cama para o sofá, do sofá para a tasca, da tasca para as termas, das termas
para o jardim, do jardim para o restaurante, do restaurante para a sauna, da
sauna para a festa, da festa para o sol que lhe queima as pestanas e lhe coze o
cérebro.
Se não der
notícias da América do Norte e se entretanto não for comido por um urso ou
atropelado por uma carrinha de caixa aberta, dar-lhe-ei as mais refrescantes
novidades no meu regresso. Até lá, um bem-haja e prepare-se para o frio que aí
vem. Cuidado com os nevoeiros ou neblinas matinais, e outras coisas que tais.
Deste
seu humilde servo,
Janeiro Alves
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