quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Sol Posto

Leve é o efeito da luz no céu
cai em suaves quedas de azul
jorra a fonte serena: vida
doce nuvem sentada
ousado atrevimento falar
a melancolia é luxo e fortaleza
quando te irei de novo avistar?

Uma missiva estival para Janeiro Alves

Caro Janeiro Alves,
       
       Retomo a minha existência após a implacável missiva do meu caro amigo. O amigo Janeiro Alves talvez ainda não saiba mas a sua missiva fez-me emagrecer 22 kilos e trinta e três gramas, e não julgue que me fiquei por aqui. A sua carta ajudou-me a perceber que de facto tinha que interromper a minha ingestão compulsiva de filetes de peixe bem como diminuir os molhos e o vinagre, por sinal muito comuns nos restaurantes que tenho vindo a frequentar. Ainda a real constatação que também não consigo voltar ao pão com manteiga da infância e que fez com que iniciasse um processo psicoterapêutico de longo alcance. Tenho em vista uma psicoterapeuta com a mesma idade para que assim não sofra um conflito geracional. Espero, no entanto, ficar completamente curado nas próximas duas décadas, se a psicoterapia assim o quiser.
         Continuo, portanto, a viver acima das minhas possibilidades ainda que, doa a quem doer, só pratico as minhas GM`s da juventude(Ginástica Militar), o que me irá ajudar a ter uma vida mais regrada de acordo com a sociedade vigente. Uma sociedade que não tolera o pneu e a flacidez está condenada a viver em cima de uma balança. Evitei também passear-me com divas internacionais na avenida pois, como o meu amigo tinha avisado, esse facto provoca sempre alguma competição no género masculino. No entanto, em virtude dos tão propalados  excessos cometidos no passado, decidi espalhar alguns cartazes por algumas cidades  deste país com frases das respectivas divas que falam sobre a forma como travaram conhecimento com a minha pessoa. Por exemplo, a alemã Berta Schups proferiu um comentário muito verdadeiro e bem curioso, por sinal: “Vivi com o Doutor as melhores férias no sul da Europa, um indivíduo culto ainda que desleixado. Ele não nadava em dinheiro mas fez com que eu conhecesse as melhores sardinhas e jaquinzinhos lusitanos. Não sei dele desde o Verão quente de 1974, espero que esteja tudo bem.” Não sei como chegaram até à Berta, mas desconfio que não foi através de nenhum desses banco de imagens moderno. Ela continua jovem e sorridente. 
     Como pode verificar, a sua missiva fez moça ao meu empreendedorismo em forma de badalo no passado assim como à gestão da minha imagem no presente mas em nada abalou a convicção do meu mundo interior,  que é cada vez mais profícuo e próspero face às condicionantes e circunstâncias verificadas na vida real. E como lhe agradeço o conselho de andar acompanhado de alguns capangas para me proteger, sobretudo dos mosquitos no estio. Não fui até Bordéus, como o amigo Janeiro tinha sugerido, mas encontro-me numa região de bons vinhos e com óptimos filetes de peixe, não vá cair na tentação de voltar a comer.
       Junto a esta carta, seguem os meus agradecimentos pelo envio de conservas Bom Petisco e uma garrafa de Macieira, que me ajudaram a sair de toda esta situação constrangedora, ainda que bastante debilitado.
        Se por acaso me vir por aí, faça  o favor de não me cumprimentar, pois estou à sua espera na tasca do costume para desfrutarmos de um verdadeiro pitéu,
Com elevada e considerada estima,

O Professor Doutor 
Doutor Mara

...

automóveis, rafeiros, gente, vazio, calor, luz
desconhecido por toda a frente
e o mundo pelos lados
de muitas portas fechadas
de algumas janelas escancaradas
de que o vento às vezes tira a roupa
para vermos num segundo de deslize talvez
um sofá vazio
uma televisão acesa
ouvirmos
vozes ao fundo
(nada é nosso: até o som de uma televisão
acesa dentro da casa de ninguém
reproduzindo a voz (e o rosto que
não vemos) de alguém —
vêm desaguar aos ouvidos de transeuntes
de mares de outros acasos)

às vezes há gente que sai das portas
às vezes há cotovelos sob um  rosto à janela
às vezes olha-se para cima e todas as cores que ninguém alcança
às vezes olho para ti e só se pode ver

o longe que é tudo
nunca estamos perto das distâncias à mão

às vezes há gente que acena
só o inferno é mais opaco
nunca ficamos

e há sempre gente e coisas a fazer imagens simples
para subir nos estilhaços de uma explosão
de que sou um centro
com olhos abertos
e sede

escrever é inclinado
arfa-se
e a rua cai na boca
de uma ermida

Leonardo

Et blikk av uoppnåelig ømhet

Ilustração de Daniel Seabra Lopes
Det blikket…
Søndag, søndagsformiddag,
Skulle det være slik, virkelig slik, vil det bli?
Det blikket, blikket ditt, det ansiktet, ansiktet ditt,
Søndag, søndagsformiddag
Det blikket, blikket ditt, blikket ditt...
av en uoppnåelig ømhet

Søndag, søndagsformiddag,
Skulle det være slik, virkelig slik, vil det bli?
Det blikket, blikket ditt, det ansiktet, ansiktet ditt,
Allerede uten kirkesang, Gud, TV og fotball
Intellektuelle unge, ikke egentlig
Vite, uten å virkelig vite
Et ønske om å tilhøre eliten
Ingen elsket film som oss
Øktene startet tidlig, for tidlig (...)

(pequeno excerto do texto em norueguês de "O Olhar de uma Inatingível Ternura- texto para Liv Ullmann"), Fernando Nunes, tradução de Kristina Øie Kvile.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

FAZENDO 102



"Luchbotjes en zeewolken spelen tussen hemel en aarde"-capa de

Leonie Greefkens. 


     O Fazendo parte para férias e regressará em breve com novas cores, uma imagem renovada e outras tantas novidades. É assim desde o início e já lá vão sete anos. Retomará o seu percurso no início da nova estação. Até lá podemos ler este 102 com os conteúdos que apresenta: literatura, artes plásticas, ciência, novelas gráficas, música, passatempos e, inclusive, textos de intervenção. Caso possam, procurem-no nas ilhas do Faial, São Miguel, Terceira, Santa Maria e Pico, pois acreditamos que o prazer de ler a versão impressa é superior à visualização no computador. Se não for possível, ei-lo em versão digital bem como pode sempre espreitar os números anteriores em: www.fazendo.p

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O Périplo Finda, Mas não Cessa o Movimento.

 I - Fuga, Passado e Estúrdia  
     
         De volta à Ponta Delgada de Quental, como de tantos outros que a souberam cantar, logo à chegada, a descrição do banco de Antero para explicar que nem sempre a vida é o que nos contam nas revistas cor de rosa. A história mil vezes repetida e como seria interessante reler agora os seus textos. Actualizar a sua verve, perceber as razões, as sombras e derivações do pensamento. A cidade está, no entanto,  cheia de gente nas ruas, as lojas do centro ganham colorido e a temperatura de verão aconselha cuidados e demais estações improváveis. A Louvre Michalense é visitada debaixo de chuva, pois o passado é agora motivo de curiosidade e delicados encantamentos. O período é, portanto, das companhias de baixo custo, as pensões, pousadas e hotéis repletos e sem lugar, as pessoas e os táxis incansáveis à chegada do aeroporto. Quase não há carros para alugar e o inglês é a língua que se impõe e agita a vontade de ganhar dinheiro rápido. Algumas horas depois o derramar dos líquidos sobre a semente da amizade, desses amigos conversados pelas esquinas, espalhadas palavras e gestos por esplanadas, até à inesperada dormida no Hotel do Colégio. Pequenos luxos, quando o meio termo se esgota.

II - Aventura, Descanso e Partilha

      O momento pede silêncio, aventura, descanso. E há autocarros que fazem o favor de nos transportar até às Furnas em viagem de pequenos e agitados momentos de sobe e desce. O centro da vila anuncia de imediato um lugar agregador do verde, de suculentas águas que escorrem até ao mar, desse permanente cheiro a enxofre oriundo das caldeiras. Eis-nos perante uma natureza luxuriante e exaltante. Tempo para ir a banhos quentes, relaxar os músculos, aproveitar os dias para caminhar pelo verde. No final do dia, há massarocas à espera bem como os dias da longínqua infância para recordar. Estar só, ouvir os próprios passos no asfalto, a música interior a povoar a mente e a paisagem. A noite para exteriorizar a beleza avistada, fazer deslizar o pensamento pelos papéis na mesa, enquanto se rabiscam palavras em papéis abandonados pelos bolsos, um miúdo loiro de olhos azuis, ciranda a mesa com curiosidade, clama a atenção. Refere a sua simpática progenitora que este também escreve, família de escritores e contadores de histórias do norte da Europa: a Noruega. A apresentação desloca-se para o cinema enquanto profissão, a escrita como representação, a valorização do simples acto de escrever. Revimos afinidades e marcamos encontro para o dia seguinte, o que se viria a concretizar. Reconhecemo-nos nessa partilha, trocámos palavras, gestos simples de culturas e modos diferentes de estar. Viajámos juntos.  


III - Nuvem, Navio e Moinho

       Nuvem, navio, moinho...como explicar o movimento sem ficar parado? Como compreender que nos movemos apenas para entender, saber um pouco mais sobre nós, sabendo que mesmo assim restarão dúvidas, memórias, silêncios, escombros por explicar. A dupla de músicos Medeiros e Lucas na Galeria Arco 8, a pontuar a ideia dos sábados felizes do nosso contentamento. Alegria, evasão, sonho e música transmitida e expressa por estes dois príncipes da Atlântida. desta feita acompanhados pelo Tó Trips. O que se pode pedir mais aos músicos e à música quando esta é vivida e sentida? Certo que pediremos sempre mais nessa barca que balança e se agita, que vai mar adentro à procura do mais fundo de nós, até não mais parar. E por fim, antes da partida, um encontro com gente dos países baixos, a planura holandesa com todas as bicicletas nas ruas, o rumo difuso e sedutor das palavras com acento áspero, os trabalhos diários da mente, a psicoterapia enquanto tema de conversa, a forma elegante e doce de nos movermos pelo final dos dias com todo o céu doirado. As perguntas certeiras e o calor dos corpos. Os gestos serenos de quem tem tempo, a energia suave de quem navega em rota segura sem percalços. O périplo finda, mas não cessa o movimento.

Ontem escrito numa parede da cidade...

I scream, You scream, We scream for Ice Cream.