quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Mar de Outono




      A miúda mergulhava sobre vagas e vagas alterosas, imitando com esfalfados gestos os golfinhos, permanentemente inquieta e a perguntar, a indagar insistentemente, a desejar saber mais e mais sobre a surpreendente ocupação laboral do mergulhador mais próximo em praia deserta naquele mar de Outono, a oriente de um arquipélago no meio do atlântico. Pergunta, miúda, pergunta, não deixes nunca de perguntar. Ela interroga, ela ambiciona saber e, provavelmente, ela quer entender aquele adulto mergulhador com trejeitos e tiques de adolescente que anda pela vida de um lado para o outro, ao sabor do vento e do mar, a caminhar entre Herodes e Pilatos, aguardando ansiosamente por ser atendido, à espera que alguém o considere em silêncio, que alguém o escute na sua demorada prece, na eterna expectativa que alguém solucione o seu problema. Não resolve, pois claro. Compreendes, miúda, não compreendes, pois não? Separam-vos três décadas num país à beira mar plantado e a ti hipotecaram futuro e o dele, é o que se sabe, mas não se deve nem pode infundir de amargura e pessimismo ao vosso presente. Nadaram ambos acima das vossas possibilidades, muita acima dessas vagas económicas que vos cobrem e vos atiram pela areia fora, num redemoinho que vos expele e expurga cada gotícula de esperança num mundo por vir, mas ainda há, malgrado, outras ondas ainda maiores como as da Nazaré que hão-de certamente resolver o vosso dilema do destino, algo que vos faça acreditar nos amanhãs que cantam para lá da dívida e dos cortes num país sob protectorado. Ficar ou partir? Não sabemos nunca. Ainda que se pressinta que com uma década de vida estás no caminho favorável, miúda, essa fina curiosidade que não se cansa de avançar e, que de tão permanente ajuda tanto a progredir noutros pontos do planeta e, quem sabe, com a ajuda dela, também tu, consigas um dia partir e atingir a tão almejada prosperidade e bem-estar afastada daqui. Correr mundo. Quanto ao mergulhador que, já tinha idade para ter juízo, retomará o seu pequeno gesto de responder ao absurdo quotidiano que lhe calhou viver ou simplesmente ao desejo de entrar…no mar de Outono.