domingo, 27 de janeiro de 2013

Marafilia


DM: Desculpe-nos a interrogação, mas passamos junto do seu gabinete e tinha lá escrito: “Aqui trabalha e vive Doutor Mara…fui para junto do mar!”. Passou-se alguma coisa de grave, algum imprevisto, alguma situação menos clara, caríssimo Doutor Mara?
Doutor Mara: Não creio. No entanto, aviso que não sou pessoa de deixar bilhetes falsos ou pregar falsas partidas, sem razão aparente. Vim para junto do mar, é um facto, como podem comprovar. Há três dias que não paro de dar mergulhos no mar. Estamos no Inverno é certo, mas se é para voltar ao mar como já ouvi pela boca das mais altas instâncias então que voltemos em força. Sem medos nem quebrantos.

DM: Neste seu acto Doutor Mara perscrutamos muito mais do que mergulhos, parecem-nos um gesto de protesto e de afirmação de uma identidade que pode ser perdida?
Doutor Mara: Estamos neste momento numa encruzilhada. É um pouco como aqueles momentos da vida em que decidimos se havemos de partir ou ficar sem deixar nada para trás. Às vezes também tenho uma visão idílica dos antigos habitantes desta terra e então imagino as ruas das cidades cheias de gente e orgulhosos da sua cultura do mar e do campo, encho-me de vaidade das profissões que valorizam as mãos, ouço-os cantar as canções antigas de trabalho e a vestir fatos lindos ao domingo, mas depois não tenho em mente de alguma vez termos sido felizes e pobres ao mesmo tempo. Meus amigos, uma redundante certeza eu já tenho da minha parte: eu nunca abandonei o mar, mas já deixei bolo-rei no prato.

DM: Inclusive soubemos de fonte segura que já mergulhou com tubarões recentemente, é verdade?
Doutor Mara: Não tenho feito outra coisa nesta vida, sabem disso. Gosto de os ver passar, analisar o seu comportamento e perceber que nos temos que afastar se não quisermos que uma parte de nós sucumba. É muito simpático analisar a forma como os tubarões pequenos gostam de agradar aos tubarões de grande porte, manifestando a sua dedicação em manobras e outras diversões, sendo muitos destes de uma lealdade que faz impressão. Sabemos que a sua condição de predador deixa pouca margem de manobra para afastar-se da costa mas seria bom tom que em conjunto pudéssemos encontrar reservas naturais só para este tipo de animais.  

DM: Doutor Mara, vemos alguma nostalgia ou saudade nas suas palavras, coisa que não é muito comum, não é verdade?
DM: Os últimos tempos têm sido profícuos quanto à discussão daquilo que Portugal e os portugueses poderiam ou não fazer. É bom termos ganho consciência de que o país é a soma de todos os seres individuais. A certeza de que seremos muito mais fortes juntos. As democracias são por vezes injustas com as minorias, quando as maiorias são de facto medíocres impedem que essa minoria possa ter um país melhor, de tentar alcançar um bem-estar colectivo. É difícil combater este dom sebastianismo de séculos, que se manifesta nesta aceitação de figuras providenciais e salvíficas. Não tarda nada estão a meter-nos a mão no bolso. Costuma-se dizer que temos aquilo que merecemos.

DM: O diagnóstico já foi feito há muito tempo e só nos impede de juntar forças e agir. Doutor Mara, Estaremos já num beco sem saída?
Doutor Mara: Sim, é verdade, foi uma espécie de aragem que que entrou e que parece demorar a sair, acontece sempre isto com gente com mais olhos do que bucho e uma necessidade maior de parecer do que ser naquilo que seria esperado. Não sabemos o que virá a seguir mas certamente já não voltaremos ao ponto de partida.

DM: Talvez agora nos possa responder ou explicar por que é que quando lhe perguntamos na entrada do novo ano o que desejaria para este ano mergulhou numa resposta inusitada, respondendo: “um barco e uma flor”. Alguma resposta na manga?
Doutor Mara: Sabem, por diversas vezes quis abandonar este país, por desalento, por ver que as coisas não funcionam como deviam funcionar, até por falta de oportunidades, ou por sonhos de outra vida imaginados noutros lugares, quase sempre associados a “paraísos” de silêncio e algum anonimato. O que é verdade é que, muito embora tenha vivido várias vezes no estrangeiro, nunca abandonei definitivamente este país. Nunca. A pergunta será: é o mar ou é este país que me custa abandonar?

DM: E se for o mar?
Doutor Mara: Se for o mar precisarei de um barco…posso sempre partir e regressar. Há sempre rota de partida e de regresso.  

DM: E a flor, Doutor Mara, diga-nos, o que é que isso significa?
Doutor Mara: A flor significa a esperança, e esperança no país, obviamente. A esperança de que um país é um lugar para se amar e cuidar…por isso precisamos que a flor germine. Para isso é necessário terra, água, semente e tempo. Quem está disposto a abrir o primeiro sulco no chão?
DM: Estamos em suspenso, Doutor Mara, estamos em suspenso. Muito gostaríamos de ter uma resposta para lhe dar.