DM: Desculpe-nos a interrogação, mas passamos junto do seu gabinete e tinha lá escrito:
“Aqui trabalha e vive Doutor Mara…fui para junto do mar!”. Passou-se alguma
coisa de grave, algum imprevisto, alguma situação menos clara, caríssimo Doutor
Mara?
Doutor Mara: Não creio. No entanto, aviso
que não sou pessoa de deixar bilhetes falsos ou pregar falsas partidas, sem
razão aparente. Vim para junto do mar, é um facto, como podem comprovar. Há
três dias que não paro de dar mergulhos no mar. Estamos no Inverno é certo, mas
se é para voltar ao mar como já ouvi pela boca das mais altas instâncias então
que voltemos em força. Sem medos nem quebrantos.
DM: Neste seu acto Doutor Mara
perscrutamos muito mais do que mergulhos, parecem-nos um gesto de protesto e de
afirmação de uma identidade que pode ser perdida?
Doutor Mara: Estamos neste momento numa
encruzilhada. É um pouco como aqueles momentos da vida em que decidimos se
havemos de partir ou ficar sem deixar nada para trás. Às vezes também tenho uma
visão idílica dos antigos habitantes desta terra e então imagino as ruas das
cidades cheias de gente e orgulhosos da sua cultura do mar e do campo, encho-me
de vaidade das profissões que valorizam as mãos, ouço-os cantar as canções
antigas de trabalho e a vestir fatos lindos ao domingo, mas depois não tenho em
mente de alguma vez termos sido felizes e pobres ao mesmo tempo. Meus amigos,
uma redundante certeza eu já tenho da minha parte: eu nunca abandonei o mar,
mas já deixei bolo-rei no prato.
DM: Inclusive soubemos de fonte
segura que já mergulhou com tubarões recentemente, é verdade?
Doutor Mara: Não tenho feito outra
coisa nesta vida, sabem disso. Gosto de os ver passar, analisar o seu
comportamento e perceber que nos temos que afastar se não quisermos que uma
parte de nós sucumba. É muito simpático analisar a forma como os tubarões
pequenos gostam de agradar aos tubarões de grande porte, manifestando a sua
dedicação em manobras e outras diversões, sendo muitos destes de uma lealdade
que faz impressão. Sabemos que a sua condição de predador deixa pouca margem de
manobra para afastar-se da costa mas seria bom tom que em conjunto pudéssemos encontrar reservas naturais só para este tipo de animais.
DM: Doutor Mara, vemos alguma
nostalgia ou saudade nas suas palavras, coisa que não é muito comum, não é
verdade?
DM: Os últimos tempos têm sido
profícuos quanto à discussão daquilo que Portugal e os portugueses poderiam ou
não fazer. É bom termos ganho consciência de que o país é a soma de todos os
seres individuais. A certeza de que seremos muito mais fortes juntos. As
democracias são por vezes injustas com as minorias, quando as maiorias são de
facto medíocres impedem que essa minoria possa ter um país melhor, de tentar
alcançar um bem-estar colectivo. É difícil combater este dom sebastianismo de
séculos, que se manifesta nesta aceitação de figuras providenciais e salvíficas.
Não tarda nada estão a meter-nos a mão no bolso. Costuma-se dizer que temos
aquilo que merecemos.
DM: O diagnóstico já foi feito há
muito tempo e só nos impede de juntar forças e agir. Doutor Mara, Estaremos já
num beco sem saída?
Doutor Mara: Sim, é verdade, foi uma
espécie de aragem que que entrou e que parece demorar a sair, acontece sempre
isto com gente com mais olhos do que bucho e uma necessidade maior de parecer
do que ser naquilo que seria esperado. Não sabemos o que virá a seguir mas
certamente já não voltaremos ao ponto de partida.
DM: Talvez agora nos possa
responder ou explicar por que é que quando lhe perguntamos na entrada do novo
ano o que desejaria para este ano mergulhou numa resposta inusitada,
respondendo: “um barco e uma flor”. Alguma resposta na manga?
Doutor Mara: Sabem, por diversas vezes
quis abandonar este país, por desalento, por ver que as coisas não funcionam
como deviam funcionar, até por falta de oportunidades, ou por sonhos de outra
vida imaginados noutros lugares, quase sempre associados a “paraísos” de silêncio
e algum anonimato. O que é verdade é que, muito embora tenha vivido várias
vezes no estrangeiro, nunca abandonei definitivamente este país. Nunca. A
pergunta será: é o mar ou é este país que me custa abandonar?
DM: E se for o mar?
Doutor Mara: Se for o mar precisarei de
um barco…posso sempre partir e regressar. Há sempre rota de partida e de
regresso.
DM: E a flor, Doutor Mara,
diga-nos, o que é que isso significa?
Doutor Mara: A flor significa a
esperança, e esperança no país, obviamente. A esperança de que um país é um
lugar para se amar e cuidar…por isso precisamos que a flor germine. Para isso é
necessário terra, água, semente e tempo. Quem está disposto a abrir o primeiro
sulco no chão?
DM: Estamos em suspenso, Doutor
Mara, estamos em suspenso. Muito gostaríamos de ter uma resposta para lhe dar.
Sem comentários:
Enviar um comentário