Caro amigo Janeiro Alves,
Espero que se encontre bem de saúde mental e física
agora que sei que decidiu voltar ao seu hábito de juventude de inalar rapé, uma
superficialidade francesa deixada pelos seus ascendentes da Bretanha e
que o amigo Janeiro nunca abandonou verdadeiramente.
Estou neste momento a escrever-lhe após um
abundante prato de chicharros e um jarro de chá de gengibre. Há dois dias fui
interceptado pela Brigada dos Costumes Morais onde me cofiscaram vários quilos
desse importante desifenctante intestinal e promotor de saúde revigorante. As
autoridades não permitem que me faça munir de tal substância em grandes
quantidades daí eu ter que me desfazer deste material com grande rapidez.
Por aqui, prepara-se o mês de Abril que irá
irromper com ventiladas e frescas novidades, algumas com sabor a renascimento e
outras à espera que algum transeunte desvairado lhes dê uma rápida estocada
final. Já não é novidade nenhuma que a nossa
amiga comum, Miriam Manaia, irá realizar uma grande exposição, reunindo uma parte
considerável da sua excelsa obra intitulada “Deslocamo-nos pelas Cores Incandescentes
do Desejo”. É uma exposição desmedida em perspectiva, pois não faltarão as suas
obras iniciais que a tornaram tão bem conhecida do grande público - “Cerveja
Depressão”, "A Existência Ameaçada Pelos Guarda-Sóis" e “Flecha Furiosa Arremessada”. Ultimamente e, dado que ela revela
alguma fadiga e impaciência, temos passeado junto do mar sempre com os moinhos por
perto. Temos conversado essencialmente sobre as recentes incidências do mundo moderno,
pelo qual terminámos sempre com os olhos marejados e abraçados em soluços
convulsos. Comunico-lhe também que partirei em breve num périplo pelas
universidades portuguesas com a seguinte preleção “Gentrificação: atração ou
repulsa?”, um tema por sinal bem quente e actual para um auditório há muito desinteressado destas
questões contemporâneas.
Sobre si, meu caro amigo, não tenho obtido qualquer
novidade, dado que apenas sei que se tem pavoneado pelos salões da intelectualidade
lisboeta com as obras de Santa-Rita Pintor, Amadeo de Souza Cardozo ou José
Júlio de Souza Pinto. Será que o meu amigo está mais interessado na teoria e
mundanidade das obras de arte do que a sua execução ou materialidade? Soube também que faz prelecções diárias num “Canto de Alfama”, onde disserta sobretudo sobre
a ausência e míngua do sentimento do amor num mundo pós-moderno e apocalíptico.
Despeço-me, aguardando as suas novidades que poderão surgir a qualquer momento
destes dias alargados.
Com estima e amizade,
Doutor
Mara