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(imagem www.bertrand.pt) |
“Não era, no entanto, uma
humanidade alheia à festa. Com os mais chegados – e sempre à parte da obrigação
do trabalho -, quase toda a gente do Antigo Regime fazia por divertir-se. Como
e em quê? Os homens e as mulheres dessa época parecer-nos-iam, hoje, pessoas
exageradamente sóbrias. O dia de trabalho prolongava-se de sol a sol, entre outras
coisas porque muitos regulamentos locais, ou às vezes simples disposições
normativas dos municípios, assim o exigiam, e é frequente que a narração da
existência quotidiana dos indivíduos pouco importantes – a multidão que não é
anónima, mas simplesmente pouco poderosa – no-lo provem de forma convincente.
Os operários e os jornaleiros espanhóis de meados do século XVIII costumavam
levantar-se pelas cinco horas da madrugada e trabalhar até ao anoitecer, e a
sua diversão, no sentido próprio desta palavra, reduzia-se às poucas
oportunidades que esta obrigação deixava: a conversa na praça pública enquanto
esperavam alguém que os contratasse, ou à porta de casa, caída a noite, por vezes
na taberna ou na casa de algum deles jogando às cartas no meio de uns copos de
vinho. Os processos judiciais retratam frequentemente a mulher numa ocupação
tão relaxante como estar à janela e fiar.
Entre os Europeus e os Americanos,
por outro lado, a diversão que se pode classificar de comunitária continua a
traduzir-se pela realidade pluriforme da festa, que parece consubstancial ao
ser humano. Mas um acontecimento propriamente histórico, quer dizer
característico deste período, consiste no esforço que fazem os governantes do
Antigo Regime para submeter tudo à norma, facto já patente no século XV, mas
sobretudo omnipresente nos séculos XVII e XVIII: refiro-me à submissão da festa
à lei de que é exemplo importante, junto ao da marginalização dos loucos, os
que se propuseram para ilustrar a tendência de sujeitar tudo à regra e
marginalizar, isolar ou erradicar o que é alheio a ela.”
José Andrés – Gallego, in "História de Gente Pouco Importante”, Editorial Estampa, 1993.