Ilustração de Mário Roberto |
Por aqui, na Ilha de São Miguel,
Domingos Rebelo, dedicava-se de corpo e alma aos pincéis, forçando as linhas e
os traços ao entardecer, tingindo telas pela noite dentro. Asceta e com o corpo
exausto de tanto colorir rostos, delinear pessoas, abarcar a vida que discorria
à sua frente, regressou a Lisboa alguns anos mais tarde. À semelhança de Raul
Brandão, gostava de ser cúmplice da paisagem açoriana e da luz que o rodeava,
ambos sustentavam um especial apego pela terra que pisavam, exaltando
profissões e todos aqueles que nelas trabalhavam. Eram, sobretudo, crentes de
uma força maior, possuíam, por isso, fé nos homens e na vida. Foram incansáveis
viajantes, contemplaram o mundo físico, trabalhadores tenazes e observadores
inquietos da vida dos outros ao mesmo tempo que intervinham no tempo e na
sociedade que lhes calhou em sorte viver. Ambos necessitavam confirmar a leveza
e a urgência da arte. Eram cultos, exigentes, e herdeiros de uma tradição
humanista. Cada um à sua maneira, forjou um imaginário, cumpriu um sonho,
arriscou ir mais além na missão de viver uma renascença, alcançar um sentimento
de pertença, acrescentar um fulgor novo. Domingos Rebelo, jovem, e, Raul
Brandão, maduro, cobriram de luz e de cor um país e ilhas que sempre se
quiseram sombrios, toscos, pesados. A idade tinha vinte e quatro anos a separá-los. No primeiro quartel do século passado ninguém melhor do que
eles soube “pintar” as paisagens humana
e natural do continente e das ilhas. Devemos aos dois essa evocação e o
sentimento vital do gigantesco legado que nos deixaram. Agradecidos,
continuaremos!