Antes da quadra natalícia dar início, o 9500 Cineclube de Ponta Delgada
brindou os cineclubistas micaelenses com duas curtas metragens inseridas no Dia
Mais Curto, uma iniciativa que ocorre por esta altura do ano. A sessão abriu
com "CÓDIGO POSTAL-A2053N", curta-metragem do fotógrafo e realizador
mariense, Pepe Brix, num registo documental em imagens sobre a sua presença
curiosa e observadora durante quatro meses no navio "Joana Princesa", uma embarcação da
pesca do bacalhau. O resultado desta sua dedicação e
sensibilidade é o encontro com a mais profunda humanidade destes homens em
crescendo de sacrifício e esforço. Pepe Brix traduz em imagens essa mesma dor
em comunhão, a sua mais funda contemplação de seres em pleno acto de entrega ao
seu labor. Ainda que em forma de "teaser" promocional, "CÓDIGO
POSTAL-A2053N" é um fresco tocado pela contemplação de uma longa jornada
com homens no mar, atraído pela vida a bordo dos bacalhoeiros nos mares do
norte, o seu primitivo confronto com essa força da natureza: o mar. Este
processo, ou mergulho, implica sempre dificuldades, renúncias, resistências aos
limites de cada um. Bonita e emotiva é, sem dúvida, a convocação no final de
todos os intervenientes nesta aventura, suportada com a música "Que Força
é Essa" de Sérgio Godinho, e ainda a voz de José Mário Branco.
"Raimundo" de Paulo Abreu
Quanto a "Raimundo", curta-metragem de um realizador
interessado em combinar a pulcritude dos espaços insulares com a leveza dos
personagens particulares que habitam o singular espaço das ilhas, tem aqui o
seu ponto de partida e chegada. Anteriormente, Paulo Abreu brindou os cinéfilos
açorianos com duas pérolas documentais na Ilha do Faial -
"Adormecido" (2012) e "Varadouro", (2013), percorrendo com
distinção vários festivais, acolhendo do público espectador encómios de súbita
rendição, um considerável grupo galvanizado pelas suas derivações interiores e
marinhas. Desta feita, Paulo Abreu entrega-se ao pícaro e ao jogo de forma
deliberada, assumindo os riscos de pouco ou nada surpreender com este registo
divertido e assaz fantástico. O realizador quis reunir uma família de amigos em
torno de um "cineasta polémico" a residir em São Miguel e, por isso,
"Raimundo" é, à sua maneira, um objecto fílmico extravagante,
demasiado até, enxugado pelo universo que retrata, e marcado essencialmente
pelo rol de personagens que apresenta - Comissário Bettencourt, Professor
Malaquias, Professor José Mascarenhas, o pescador Gualtieri Filostrosa, entre
outros - que tentam, cada um à sua maneira, justificar a existência de seres
extraterrestres em território rodeado de mar por todos os lados. Talvez por
isso, os estudantes da Escola de Cinema foram à procura destes conceituados
teóricos ou figuras locais com os seus testemunhos estrambólicos de cariz
obsceno e rebuscado. O próprio personagem principal, "Raimundo", na
pele do produtor João da Ponte, possui tiques raros e manias de um isolado
amante de cinema, imbuído de insistências, obsessões e tergiversações,
acreditando mesmo estar possuído por uma missão de detectar vida para lá destas
nossas consciências mundanas e existências muito terrestres. Este singular
atestar de evidências extraterrestres é levado ao extremo pelos diferentes
discursos desse leque alargado de personagens mirabolantes, que nos deixam
exactamente na mesma sobre a existência ou não deste tipo de fenómenos, o que é
pena. Por isso, a dúvida mantém-se e, à semelhança das figuras/soldado que surgem
no final do filme, podemos dizer que o invulgar, o inesperado, culminado num
inusitado riso, é, afinal, a mais sábia de todas as estranhezas que nos invadem
e circundam.