domingo, 7 de julho de 2013

O primeiro voo no céu dos Açores


"Tempos houve em que a fábrica da Sé mantinha cónegos, arcediagos, chantres, arciprestes e beneficiados, vendo-se o vasto caldeirado totalmente ocupado pelo Cabido, a dar luzimento aos esplendorosos cerimoniais litúrgicos.
A completar tão faustoso conjunto de dignidades eclesiásticas, havia ainda os meninos do coro, rapazes que envergando largas saias encarnadas e brancas sobrepelizes, cantavam no coro e ajudavam à missa.
Conta-nos o Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade, na sua Topografia da Ilha Terceira, um interessante episódio passado no século IX, tendo como protagonista um dos aludidos meninos, que embora de compleição franzina, se destacava entre os demais, a criar situações contraditórias com a compostura requerida e imposta pelos preceitos religiosos.
       Foi assim que, encontrando-se a Sé entre obras, com andaime armado até ao cimo das torres, o menino depois de cometer mais umas das suas traquinices, fugiu perseguido por um operário, atingindo os andaimes cimeiros.
                E como nesse dia soprasse rijo o “carpinteiro”, a causar estragos  de monta – carpinteiro que levaria alguém a dizer, com muita piada, ser a exportação de ciclones uma das maiores riquezas dos Açores – arrastou o menino de pouca carne e leve ossatura, enfunado nas largas saias.
Um clamor de terror terá perpassado por quantos assistiram a tão horripilante vôo.
Mas volvido pouco tempo dissipavam-se as mais tenebrosas conjecturas com o aparecimento do imprevidente e forçado argonauta, ileso no telhado do Convento da Esperança.
Mais uma vez ficaria comprovado o velho ditado: “Ao menino e ao borracho, põe Deus a mão por baixo…”

in o  “Filósofos da Rua”, de Augusto Gomes, pág.140, editado por Jaime Cruz, a impressão ficou concluída nas Sanjoaninas de 1984, com uma tiragem de 1500 exemplares.

Ontem escrito numa parede da cidade

Ele: As palavras mentem.
Ela: O corpo também!