"La Cantatrice Chauve"-Fotografia do Jornal Le Figaro |
A
Cantora Careca, de Eugène Ionesco, está em cena no Théatre de La Huchette, na
capital francesa, Paris, desde 16 de Fevereiro de 1957. Durante seis dias da
semana, com excepção do domingo, é possível assistir a esta peça, portanto, há
62 anos. Foi com este texto dramático que Eugène Ionesco, dramaturgo de origem romena,
inaugurou aquilo a que viria a designar-se de Teatro do Absurdo.
Curiosamente, a primeira vez que travei
conhecimento com o teatro de Eugène Ionesco foi em Tirana, na Albânia. Decorria
o ano de 1994 e aquele país vivia, então, uma convulsão e explosão social nunca
vista após o jugo de uma ditadura feroz com marcas de isolamento, pobreza e
obscurantismo bem evidentes. Nesse momento assistia-se a um período de
transição com milhares de pessoas nas ruas e muita gente a abandonar o país,
não importava a forma. Parecia, àquela altura, tudo estranhamente insólito. Por
isso, assistir ao espectáculo da “Cantora Careca”, por um grupo de teatro local,
fez com que não compreendesse nada do texto nem da peça que me era dada a conhecer,
desconhecia, inclusive, a língua albanesa, assistindo no final a uma aparatosa
invasão do palco pela assistência, sintoma de um país que se libertava e experimentava
um outro itinerário político e social. Dada a experiência de intercâmbio a
decorrer no país vizinho, aquela visita tornar-se-ia numa grande aventura, fazendo
daquela estadia um momento marcante da existência, com episódios e situações experienciadas
de forma intensa e peculiar.
Na
última sexta-feira e, passados vinte e cinco anos desse episódio teatral, assisti
no Auditório da Escola de Lagoa à representação de “A Cantora Careca” – pelo
grupo de teatro escolar “A Faísca”. A memória viva da primeira representação
com a presença actual dum auditório a abarrotar, atento e entusiasta, mesmo que
possa não ter compreendido a totalidade das razões daquele texto ou do que se
passava em palco, fez com que o tempo recuasse um pouco. Por esse motivo, só me
pude enternecer com a entrega daqueles jovens actores, vibrar com aquelas
representações esforçadas e competentes, admirar aquela vontade de superação e
ultrapassagem de complexidades daquela apresentação. Assim, foi deveras
surpreendente ver gente tão nova lidar com o burlesco da existência, o ridículo
e estranheza do mundo e da linguagem que usamos e, mesmo assim acender, por
instantes, o maravilhoso poder e magia da arte de Talma.