terça-feira, 19 de março de 2019

A Cantora Careca de Eugène Ionesco

"La Cantatrice Chauve"-Fotografia do Jornal Le Figaro
A Cantora Careca, de Eugène Ionesco, está em cena no Théatre de La Huchette, na capital francesa, Paris, desde 16 de Fevereiro de 1957. Durante seis dias da semana, com excepção do domingo, é possível assistir a esta peça, portanto, há 62 anos. Foi com este texto dramático que Eugène Ionesco, dramaturgo de origem romena, inaugurou aquilo a que viria a designar-se de Teatro do Absurdo.
 Curiosamente, a primeira vez que travei conhecimento com o teatro de Eugène Ionesco foi em Tirana, na Albânia. Decorria o ano de 1994 e aquele país vivia, então, uma convulsão e explosão social nunca vista após o jugo de uma ditadura feroz com marcas de isolamento, pobreza e obscurantismo bem evidentes. Nesse momento assistia-se a um período de transição com milhares de pessoas nas ruas e muita gente a abandonar o país, não importava a forma. Parecia, àquela altura, tudo estranhamente insólito. Por isso, assistir ao espectáculo da “Cantora Careca”, por um grupo de teatro local, fez com que não compreendesse nada do texto nem da peça que me era dada a conhecer, desconhecia, inclusive, a língua albanesa, assistindo no final a uma aparatosa invasão do palco pela assistência, sintoma de um país que se libertava e experimentava um outro itinerário político e social. Dada a experiência de intercâmbio a decorrer no país vizinho, aquela visita tornar-se-ia numa grande aventura, fazendo daquela estadia um momento marcante da existência, com episódios e situações experienciadas de forma intensa e peculiar.
Na última sexta-feira e, passados vinte e cinco anos desse episódio teatral, assisti no Auditório da Escola de Lagoa à representação de “A Cantora Careca” – pelo grupo de teatro escolar “A Faísca”. A memória viva da primeira representação com a presença actual dum auditório a abarrotar, atento e entusiasta, mesmo que possa não ter compreendido a totalidade das razões daquele texto ou do que se passava em palco, fez com que o tempo recuasse um pouco. Por esse motivo, só me pude enternecer com a entrega daqueles jovens actores, vibrar com aquelas representações esforçadas e competentes, admirar aquela vontade de superação e ultrapassagem de complexidades daquela apresentação. Assim, foi deveras surpreendente ver gente tão nova lidar com o burlesco da existência, o ridículo e estranheza do mundo e da linguagem que usamos e, mesmo assim acender, por instantes, o maravilhoso poder e magia da arte de Talma.