"Nada Tenho de Meu", dia 13 de Setembro |
“Em Portugal, a normalidade da convivência pura e simples não existe. Persiste uma visão infantil e bipolar, em que coexistem o “nós” perfeito e os “outros”, uma cambada de inúteis e oportunistas. Existe uma total ausência da noção do que é o bem comum. Entretemo-nos em guerras inúteis, destruindo o caminho uns dos outros. Nada se constrói, nada tem continuidade. E o “outro” é um alvo permanente a abater.”
(…)Em Portugal, salvo honrosas
excepções, a crítica não faz crítica, ou fá-la como uma criança de cinco anos:
ama ou odeia. E nesta falta de consistência, confundida com exercício de poder,
o crítico sente-se crítico apenas no momento em que determina a selecção
daquilo que deverá integrar o corpus cultural do país — ou seja, a crítica não
perdoa e só reconhece quem foi criado por si.
Os colegas de profissão, em
geral, desprezam-se e digladiam-se como se não existisse espaço suficiente, sem
perceberem que o mundo é diverso e que, na arte, ninguém ocupa o lugar de
ninguém. Num país de dez milhões de habitantes, onde se produz uma média de
menos de 20 longas-metragens por ano, coabitam duas associações de realizadores
e duas de produtores que rivalizam entre si. É mais do que triste: é
confrangedor. E existem ainda os “brilhantes falhados”, aqueles que desprezam
tudo o que os rodeia porque nunca fizeram nada — e geralmente odeiam o sucesso
do outro por ser esse o espelho da sua própria inacção.”
Miguel Gonçalves
Mendes, in
Público, 9 de Dezembro de 2016
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