Caro
Janeiro Alves,
Escrevo-lhe
no render do Verão e, queira o meu mui nobre amigo acreditar, só agora decido
sair destes aposentos em que me encontro. Estive, assim, durante toda a
canícula recluso, a maior parte do tempo à sombra, aproveitando para recuperar
forças entre outras coisas que entretanto se encontravam ocultas. Acredite, um
Agosto inteirinho dedicado à penumbra e à avassaladora quietude.
Estive,
por isso, afastado da regeneração urbana em curso, longe dos ruídos das
betoneiras e dos caterpílares e, por isso, nem fui capaz de verificar com os
meus próprios olhos como se encontram os contentores do lixo com o aumento da
população em redor. Estou, como deve calcular, ávido de novidades e convicções
que este mundo contemporâneo nos queira oferecer de mão beijada. Devido a esse
facto, acabo de sair para dar um mergulho num conjunto de praias que me são
familiares: São Roque, Pópulo
e das Milícias, Água de Alto, Vinha da Areia e Amora.
Sendo
assim, despeço-me alegremente deste estio ao mesmo tempo que aproveitei para
comprar um par de óculos escuros de marca que estavam em promoção pois ainda ninguém tem a
certeza até quando teremos a presença do rei Sol. Quanto a refrescos continuo
fielmente a optar pelo “sumo de lúpulo e cereais maltados” que as entidades
locais se orgulham, e bem, em produzir. No entanto e, enquanto julgo durar a
renda deste moinho alugado, tenciono rever um pequeno ciclo de cinema italiano
da restauração e cujas lembranças subsistem na minha memória. Agora e, talvez
porque acabo de partir o eixo da bicicleta que me transportava na via pública, começarei pelo
“Ladri di Biciclette”, de Vittorio de Sica, seguindo-se o “Il Vitelloni” do
Federico Fellini e, por fim, irei ver “Il Sorpasso” de Dino Risi. A vantagem
dum ciclo caseiro é que podemos parar o DVD, voltar atrás, beber mais uma
“mosca”, tirar algumas notas e prosseguir a reflexão fílmica em curso.
Aproveito,
entretanto, para augurar ao meu amigo Janeiro, um bom regresso à antiga capital
do império e faça de conta que aquilo que ouve é a língua dos seus
compatriotas tal qual os táxis que
avista continuam a ostentar o preto nas portas e o verde no tecto. Por fim,
caso possa, beba um verde tinto e coma um pastel de bacalhau em honra deste seu
amigo que fica a aguardar as suas notícias que, ao que julgo e desconfio, devem ser frescas e boas.
Com
o respectivo abraço e elevada estima que nutro por si,
seu amigo eterno
Doutor Mara
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