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“A melancolia é uma arte. Vede
quanta beleza existe no próprio e simples dizer das cinco sílabas desta
palavra: me-lan-co-li-a. Agridoce, tão próxima do silêncio interior como das mágoas
do olhar, nos Açores esta palavra é comum a todas as ilhas. E a todas as
pessoas. Mas em nenhuma delas como em São Miguel ela resulta tanto desta forma
de contemplar o encanto da paisagem: de a ver de coma (quando se sai da Ribeira
Grande para o alto da serra, a caminho da Lagoa do Fogo): a gente pára ali, a
meio da encosta, volta-se para trás, e pasma. Deslumbra-se com o que tem à
frente dos olhos. Aquilo que se avista de lá de cima é como um tombadilho
gigantesco, todo verde e quase plano, o qual roda em círculo connosco e envolve
o gesto que aponta para aquém da cidade da Ribeira Grande e de Rabo de Peixe. A
palavra melancolia vê-se também no próprio espanto que em nós estranha e não
explica o verde-azul-amarelo da terra mar, corpo lânguido e feminino da
paisagem, trecho da costa norte fendido ao meio pela Ponta do Cintrão: baixa, e
até maneirinha, à esquerda; alta e muito recortada para as bandas de Porto
Formoso. Os tons esmeralda da pradaria e das matas de incenso e criptoméria
parecem a um tempo colidir e complementar-se entre si; ao longe e em baixo, a
brancura das casas – que se perfilam ao longo das ruazitas desertas, tortuosas,
com as suas barrinhas de basalto em volta de portas e janelas – resplandece acima
dos verdes múltiplos da terra, como numa marcação a giz dessa cor.
A
paisagem que do alto se despenha aos nossos pés, primeiro a prumo ou em declive
acentuado, depois num remanso que se derrama até o azul do mar, prolonga-se
afinal até se espraiar pelos cerrados de milho e tremoço, pelos hortos e
jardins do tabaco e pelos campos de chá. O prazer e o assombro de tanta beleza
excedem o nosso modo de olhar. Passam para além do pasmo e recordação.”
João de Melo, in “Açores – O Segredo das
Ilhas”, Publicações Dom Quixote, edição revista e acrescentada, 2016.
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