Depois de algumas
noites sem dormir e gastos imprevistos em fármacos (ainda não é desta que troco
de esquentador), decidi pôr fim à amplificação deste equívoco, que de tão
caricato parece um neo-surrealismo abstracto. É realmente lamentável que sendo
o meu amigo Malaca uma pessoa tão informada, não tenha ainda discorrido sobre a
razão deste estrutural lapso. Farei por elucidá-lo, hoje que acordei imperturbado.
Faça o favor de me seguir.
Não querendo pôr em
causa a dignidade do meu caro amigo Doutor Mara, nem tampouco levantar falsos
testemunhos, o que é facto é que essa sua conhecida mania de deambular pela
cidade sempre com o seu sobretudo atestado de manuscritos importantes
misturados com contas para pagar, o borda d’água, um ou outro paliteiro e
papelinhos de embrulhar caramelos, um dia tinha de resultar mal. Como seria de
esperar, houve uma tarde em que por força das recentes intempéries insulares,
tudo voou dos bolsos desse admirável, e se espalhou num bailado literário às
portas da Igreja do Colégio. Parecia a imagem de um milagre, que rapidamente se
transmutou em catástrofe. De entre os documentos que foram parar a mãos erradas
constavam as mais recentes cartas trocadas entre nós. Quis o destino malfadado,
esse inferno de mil pragas, que as cartas se colassem às mãos da famigerada dupla
FN e PG, que se apropriou indevidamente das mesmas em benefício próprio, com o
intuito de capitalizar prestígio em insigne circuito intelectual. Mas isto não
fica por aqui. Ao saber da circunstância da publicação de duas das nossas
cartas em certa revista literária, contactei a respectiva direcção para reclamar
da fraude. Riram-se categoricamente, afirmando de forma não menos categórica
que eu e o Doutor Mara habitávamos apenas no campo da ficção. Eu que em carne e
osso lhes falava ao telefone, não existia! Veja ao que isto chegou, caro JB.
Neste momento a dupla FN e PG está incontactável e em parte incerta, e nós nada
podemos fazer, pois não existindo não dispomos de personalidade jurídica.
Por fim, não posso
deixar de referir que a sua carta dirigida a Doutor Mara é um tanto ou quanto
paradoxal. Se por um lado ela faz a apologia da discrição sobre o assunto para
bem dos intervenientes, por outro cultiva a polémica de forma inadvertida e
precipitada. Quando a poeira assentava já novamente no tapete, o meu caro amigo
volta a sacudi-lo. Meu caro JB Malaca, permita-me a seguinte interrogação:
Quais são as suas verdadeiras intenções?
Com o devido respeito
e amizade,
Janeiro Alves (o
próprio)
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