Caro
amigo Janeiro,
Agradeço-lhe,
muito sinceramente, o cuidado e atenção epistolar evidenciadas dado que só o voltarei
a ler em Fevereiro. Escrevo-lhe, pois, esta missiva antes de 2017 ir
definitivamente para o galheiro. Sei o quanto aprecia as festividades e a
respectiva quadra, muito embora alguém jamais o tenha visto vestido de Pai
Natal ou a comer alguma sandes de rena mal passada com tons de vermelho. Do
mesmo modo, que ninguém sabe onde é que o nosso amigo pára por esta altura ou
mesmo conheça o seu real ou imaginário paradeiro. Será que é caso sério para que as altas
instâncias do estado português possam averiguar? Houve, entretanto, algum fundo que lhe tenha
sido atribuído para que pudesse desaparecer ou viver à grande sem que ninguém
se tivesse apercebido?
O
que é um facto é que também eu irei para fora cá dentro, tenciono assim
acender a lareira apenas quando soarem as doze badaladas pois não quero
desperdiçar os pequenos troncos e insignificantes brasas que ainda possuo. É minha
intenção dedicar o serão a ver o filme "Não
te Mexas, Morre e Ressuscita”, do realizador russo Vitali Kanevsky, certamente imbuído de
algum espanto e perplexidade. Por essa altura, julgo receber em meus aposentos, sobretudo para uma discussão que se pretende acesa, o crítico francês Jean Marie
François, a minha amiga e actriz russa, Elena Romanova, o operador de câmara
sueco, Rob Förlund, o realizador polaco, Gyorgý Rossinsky, ou, ainda por
confirmar, a presença da antiga deputada italiana, Anna Pescara. Nenhum dos convivas
reconhece o que é um prato de “roupa velha”, o que será uma completa surpresa
na degustação deste opíparo repasto que terá muita discussão cinematográfica à
mistura.
Malgrado que o meu amigo Janeiro se
irá escapulir pelo mês homónimo adentro e, por isso, já tremo e suo como varas
vergadas só de ressacar pelas suas ternas e delicadas missivas. E logo agora
que nos encontramos a viver os melhores anos das nossas vidas, o momento em que
estouramos com todos os indicadores económicos já que todos afirmam o que seria
de todo impensável para este povo sem grandes hábitos de leitura – “somos os
novos nórdicos da Europa”. Conseguimos assim transformar as nossas fraquezas em
inacreditáveis forças pois quem diria que iríamos colocar uma parte
considerável da Europa, dita rica e avançada, a rapar e lamber pratos de migas e
açorda, esses manjares associados à austeridade alentejana, isto é, lusitana.
Deste modo, despeço-me do meu caro
amigo com a certeza de que tudo irá correr como o previsto e, caso não aconteça este milagre económico tão almejado, espero que pelo menos nos possamos encontrar numa
dessas fajãs da costa mais ocidental da Europa para continuar a preparar as
mais que aguardadas conferências, impossíveis de parar dada a minha
inconcebível teimosia.
Com
a mais forte pujança dos abraços e a riqueza das favas por desencantar,
Seu
querido e mui estimado amigo,
Doutor Mara
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