“Naquele ano, voltei à Ilha do Pico, nos Açores. Queria encontrar o
escritor, poeta e baleeiro, José Dias de Melo, na sua aldeia natal, Calheta de
Nesquim. Queria passar alguns dias ao seu lado, ver como vivia. Queria ouvi-lo
falar, ouvi-lo contar as suas histórias que marcaram a vida dele. Queria filmar
a sua aldeia, a sua casa, as suas idas e vindas, acompanhá-lo, nos seus
passeios e descobrir paisagens que descreve nos seus livros. Mas quando cheguei
à Calheta de Nesquim soube que ele tinha caído doente e que tinha sido
hospitalizado em São Miguel, uma outra ilha do arquipélago. Ninguém me soube
dizer quando retornaria. Então, decidi esperá-lo. Levei comigo um dos seus
últimos livros “Poeira do Caminho”. Folhei-o para passar o tempo. E se escuto,
entendo a voz dele..."
Marc Weymuller
Marc Weymuller trabalhou para o
som de “As Ilhas Desconhecidas” (2009), de Vicente Jorge Silva(https:https://issuu.com/fazendofazendo/docs/fazendo_38_online e foi por essa
altura que travou o ensejo de querer conhecer Dias de Melo. Este seu trabalho
documental tem a particularidade de mostrar a passagem do tempo num lugar
carregado de memórias e de histórias de baleeiros elencados ao longo do tempo
por este antigo professor e depois escritor, focalizando-se essencialmente nesta fase final da sua vida, marcado
pelas contingências do momento na vida deste homem de palavras. Estes cinquenta e três minutos de
memória viva de um homem que escreve a partir da sua janela devolve-nos aquilo que é mais pungente e telúrico
num homem que gostava de sentir-se mais um entre iguais, podendo nós agora
imaginar o escritor com o seu cachimbo na sua Calheta de Nesquim olhando o mar
com os seus conterrâneos e antigos baleeiros. O filme é narrado em francês pela
voz de Marc Weymuller, que alterna em português com Michel Costa que vai lendo excertos de “A
Poeira do Caminho”, acentuando a cadência do texto num registo de vozes lentas
sobre as imagens do “habitat do escritor” – trabalho aprimorado de Xavier
Arpino – reforçando a solidão e a melancolia ali presentes, ampliando à literatura a vastidão da
paisagem que se avista da janela da casa de Dias de Melo. No final da sessão do cineclube de Ponta
Delgada foram lidos testemunhos de familiares e amigos, destacando-se o
tributo de Bruno da Ponte, editor de vinte uma obras do autor picaroto.
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