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domingo, 4 de fevereiro de 2024

Da Desistência

       "Toda a desistência pressupõe uma avaliação definitiva da impossibilidade do encontro com o que amamos"
António de Castro Caeiro, in O que é a Filosofia?, Tinta da China, 2023. 

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Da Paisagem Sonora

         "A paisagem sonora portuguesa é singular. Singulares são os seus silêncios. Há muito que fazer para os compreender para lhes dar perspectiva histórica. Singulares são os seus sons e o modo como esses sons são por nós interpretados no quotidiano e usados no trabalho. Há um património sonoro importante a preservar. Singular é também o problema do ruído. A legislação existente, por muito generoso que possa ser o seu carácter e por mais competente que seja tecnicamente a sua construção, não contribuiu para resolver o problema. As sucessivas medidas regulamentares que foram sendo publicadas ao longo dos anos não parecem ter contribuído significativamente para uma solução aceitável. O ruído continua a constituir uma das causas principais ou mesmo a causa principal de reclamação no domínio do ambiente, a surdez profissional é hoje a primeira na tabela das doenças de trabalho e os números absolutos não parecem cessar de aumentar. Há um trabalho urgente a fazer para compreender as origens do problema do ruído em Portugal e dar-lhe uma efectiva solução. O que foi feito até agora é manifestamente insuficiente." 

Carlos Alberto Augusto in Sons e Silêncios da Paisagem Sonora Portuguesa, Edição FFMS, Maio 2014. 

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Sobre "As Pescas em Portugal"

        "Os Pescadores, de Raul Brandão, fresco literário publicado em 1921, ainda hoje constitui a etnografia mais conhecida sobre a pesca e os pescadores. É rara a sessão pública sobre estes temas onde uma bela frase do escritor não sirva de epígrafe a exaltações pitorescas ou grandiloquentes sobre as pescarias de Portugal.
     Nascido na Foz do Douro, em 1867, acostumado às lides e tragédias do mar, quando terminou a carreira militar Raul Brandão dedicou-se ao jornalismo e à literatura. Num tempo de transição para um mundo novo, de acentuada industrialização das pescas, Os Pescadores são uma prosa impressionista de múltiplos sentidos, menos literária do que parece. Assente na observação directa da paisagem litoral, a narrativa consiste numa visita guiada pelas praias e enseadas de pesca do litoral português. Com mestria literária e alguns arroubos mitificadores, o escritor realça a diversidade de uma paisagem geográfica e humana ameaçada de corrosão. As tensões entre uma pesca industrial em expansão e as velhas pescarias artesanais perpassam nos textos do escritor andarilho. As consciências dos desmandos pelas artes de embarcações depredatórias agudizam a concorrência em tempos de crise do abastecimento. Por isso, durante a República o Estado aperta os regulamentos que restringem os arrastos. Já em 1928, é proibido o registo de propriedade de novos galeões e traineiras que usassem redes de cercar para bordo e interdita-se qualquer alteração dos existentes."

 in As Pescas em Portugal de Álvaro Garrido, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Maio de 2018.

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Dar Espectáculo: a Cultura em Portugal no Século XX*

     "Os consumos culturais transferiram-se em grande medida para o espaço doméstico, e este está cada vez mais equipado com tecnologia que disponibiliza as transmissões, desde logo televisivas, a públicos de todos os estratos sociais. O gosto é a marca da diferença perante o escândalo da democratização das imagens e sons. Por isso, as novas identidades foram determinadas pelos hábitos de consumo, que, de alguma forma, tornam culturais todas as dimensões do quotidiano. Tal como o povo camponês do início do século, o suburbano dos discursos do gosto não é uma categoria social, mas uma representação cultural. Do mesmo modo que um mundo rural pôde ser idealizado por intelectuais urbanos por causa da distância - entre a cidade e o campo, as letras e o analfabetismo - , o subúrbio contemporâneo não passa de um referente vazio, sem substância sociológica."

Luís Trindade in "O Século Português", Tinta da China Outubro de 2020.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Uma biografia de Mário Cesariny

          
              "Aceder aos bastidores de um poeta é como visitar as caves dum grande museu. Arrumadas a um canto estão lá algumas tábuas esquecidas que as paredes já não comportam. Em ocasiões especiais vêem a luz do dia e nós então olhamo-las como tesouros que emprestam novo sentido ao que as rodeia. Assim a bagagem secreta dum poeta recompõe as suas letras e põe um raio de luz no que antes era só escuridão. Temos a sorte de possuir  a chave que nos permite abrir a porta da antecâmara onde o jovem Mário guardou parte dos seus segredos. Há alturas em que não bastam os poemas dum poeta; é preciso conhecer o que se lhe associou, as leituras que fez, as notas que tomou, as reflexões que cogitou, os autores que correu e que amou, e até as ruas por onde andou e divagou para se perceber como se deu a sua evolução e se processou a génese da sua idade madura."


António Cândido Franco, in "O Triângulo Mágico - Uma biografia de Mário Cesariny", edições Quetzal, 2019. 

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Da Mentira

          “O lugar ocupado pela mentira na vida humana é bem curioso. Os códigos da moral religiosa, pelo menos no que diz respeito às grandes religiões universalistas, sobretudo aquelas que emergiram do monoteísmo bíblico, condenam a mentira de um modo rigoroso e absoluto. O que, de resto, se compreende: sendo o seu Deus o da luz e do ser, forçoso é que seja também o da verdade. Mentir, isto é, dizer o que não é, deformar a verdade e velar o ser, é portanto um pecado; e mesmo um pecado gravíssimo, pecado de orgulho e pecado contra o espírito que nos separa de Deus e nos opõe a Deus. A palavra de um justo, tal como a divina, não pode e não deve ser outra senão a verdade.”

Alexandre Koyré, Reflexões sobre a Mentira, edições Frenesi.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Do Fazer

           "Tudo o que fazemos é (ou deve ser) uma cerimónia, caso contrário avilta-se."
Paulo Faria

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Os Olhos de um Grego

“Como poderemos ver hoje a Lua com os olhos de um grego? Foi uma experiência que eu mesmo fiz, na minha juventude, durante a primeira viagem à Grécia. Navegava de noite, de ilha em ilha; estendido no convés, olhava o céu por cima de mim, onde a Lua brilhava, luminoso rosto nocturno que projectava o seu claro reflexo, imóvel, oscilando sobre a obscuridade do mar. Sentia-me deslumbrado, fascinado por aquele suave e estranho brilho que banhava as ondas adormecidas; sentia-me emocionado como se tratasse de uma presença feminina, próxima e simultaneamente longínqua, familiar mas inacessível, cujo esplendor tivesse vindo visitar a obscuridade da noite. O que estou a ver é Selene, dizia para comigo, nocturna, misteriosa e brilhante. Muitos anos depois, ao ver no ecrã do meu televisor as imagens do primeiro astronauta lunar saltitando pesadamente, com o seu escafandro de cosmonauta, no espaço triste de uma desolada periferia, à impressão de sacrilégio que senti hoje juntou-se o sentimento doloroso de uma ferida que não poderia ser curada: o meu neto, que como toda a gente viu nessas imagens, já não será capaz de ver a lua como eu a vi: com os olhos de um grego. A palavra Selene tornou-se uma referência meramente erudita: a Lua, tal como surge hoje no céu, já não responde a esse nome.”

in “O Homem Grego”, de Jean-Pierre Vernant, Editorial Presença