sábado, 21 de janeiro de 2023

Um Poema de João Paulo Esteves da Silva

 (de impossível esta música)

Vem a música à procura…
sobre a poeira mais seca
de seus passos saltam peixes,
traz a tua vida no cantil que se derrama;
em água vestida de sede 
procura o que vai criando:

palavras e violinos. 

in "Notas à Margem", Poemas sobre "Habitar o Tempo" de Vieira de Freitas, Amores Perfeitos, Maio de 2002.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

FALTA#5: FAUNA e FLORA no Prelo!

 Chega, assim, como quem não quer a coisa. Com a temperatura amena e o vento da estação. É um facto: não está muito frio, dizem. Pelo menos por aqui ainda se avistam outras estações do ano, por pequenos momentos, é verdade. A água, essa, é sempre abundante, não tem parado de cair. Por vezes, o sol irrompe, há neblinas, tardes lentas e prazenteiras, árvores silenciosas, ainda que não tivéssemos notícias de que o ilustre compositor veneziano tivesse alguma vez passado por este território. 

Verso da Garota Não

 Sinto uma luz epistémica 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

"Prazeres"

O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro de novo encontrado 
Rostos animados 
Neve, o mudar das estações 
O jornal
O cão
A dialética 
Tomar duche, nadar
Velha música 
Sapatos cómodos 
Compreender 
Música nova 
Escrever, plantar 
Viajar, cantar 
Ser amável. 

Bertolt Brecht 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Um Poema de Ana Paula Inácio

Deixa a mulher indicar-te o caminho
atrás tens o lago 
à frente o destino

são páginas a mais 
eu sei,
desfaz-te delas
faz uma tocha 
alumiar-te-ei o caminho. 

Setembro de 2020, (Porto, Ilhas). 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

"Lobo e Cão": Esta Luz Crepuscular!

         
       Assistir a “Lobo e Cão”, uma longa-metragem focada no que é vital e diverso no humano, assinada pela realizadora Cláudia Varejão, no Cinema Trindade, no Porto, longe das ilhas, pode ser o segredo para um olhar distanciado propiciador de uma reflexão mais livre e descomprometida. 
         Comece-se, pois, pelo título que remete de imediato para um lugar de transição, essa linha ténue que vai da clausura à liberdade, a realidade entre o dia e a noite, do interior ao exterior, a divisão do feminino e masculino, no fundo, esse feixe de luz crepuscular em que tudo se transforma. Daí, ter sido muito feliz a escolha deste título na fixação efémera dessa passagem, dado que estamos na presença de três amigos adolescentes em mudança.  
      “Lobo e Cão” é, sem dúvida, um filme delicado, que não tem pretensões em dividir as águas, mas sim aproximar e dialogar com as diferenças, sem ser invasivo. A película aborda a comunidade queer de São Miguel, no que isso possa ter de "particular" ou “alienígena”, sobretudo para quem se limita a observar do exterior. No entanto, o seu olhar é feito a partir de dentro e com grande respeito pelas pessoas. É que Cláudia Varejão gosta de filmar, com vagar e proximidade, a assunção de personagens comprometidas com o seu corpo e os seus sentimentos, associados ao lugar de origem, refletidos na sua identidade. Por esse motivo, a realizadora filmou "Ana", Ana Cabral, com muito cuidado e sensibilidade, sendo que esta tem aqui um papel de enorme expressividade física e contenção sentimental. A “Paulina”, Marlene Cordeiro, a mãe de "Ana", transporta consigo o passado e o medo de ter falhado nos cuidados maternos, realçando um registo facial sofrido, de resistência e firmeza desmedida. Depois, há também Ruben Pimentel (Luís) e Cristiana Branquinho (Cloé) que dão oportunidades de sobra à realizadora portuense de tocar em emoções reprimidas, soltar afetos contidos, expressar perdas e outros tantos sonhos por cumprir. A imagem do filme absorve-os de tal modo que estes parecem dominar o mundo da representação há muito tempo, tal é o desembaraço perante as câmaras. No entanto, após o visionamento do filme, o embaraço é dos que continuarão a recusar a diferença dos que vivem e sofrem em silêncio com os seus desejos e anseios por realizar.
             Desta feita, esta primeira longa metragem de Cláudia Varejão, com a duração de 110 minutos, é um rico presente cinematográfico que nos devolve a ilha sob a forma de mosaico humano plural - para além da bonita fotografia - sendo esta filmada maioritariamente na freguesia de Rabo de Peixe, em São Miguel.
           Por último, sublinhe-se que “Lobo e Cão” já ganhou o prémio principal da secção Giornate degli Autori do Festival de Veneza e que contém uma banda sonora capaz de abarcar os mais diferentes registos sonoros: Xinobi, que traz três temas imponentes “Toute une Premier Fois” “Searching For” “Cruise Fort V2”, os Vive La Fête, com um dos temas musicais evocativos da narrativa - “Porque te Vas?”- num tema antigo de Jeanette, a britânica que adorava a cultura espanhola, o “Concerto em D Minor, BWV 974 II Adagio” de Johann Sebastian Bach, interpretado por Olga Schoeps, ou ainda o “Das Buch der Klänge”, de Hans Otte, tema mais que hipnotizante tocado aqui pela pianista Joana Gama.

sábado, 31 de dezembro de 2022

2023: Muda que Muda!

         O ano de 2022 está a chegar ao fim e, com ele, permanecerão coisas boas, bem como outras más que se perlongarão no tempo, mas agora com outra roupagem. Felizes estávamos quando pensámos ter saído do pesadelo pandémico, com a ajuda das vacinas e a queda das máscaras, mas foi sol de pouca dura. Não tardou e logo entramos numa guerra em solo europeu. É sempre assim, o progresso humano não pode ser considerado linear.
 2023 vai entrar de mansinho e nós continuaremos por aqui, certamente, com a mesma energia ou à procura dela. Poderia ter sido um ano inesquecível e, no entanto, à semelhança de todos os outros anos, as guerras, a fome, o desperdício e o desequilíbrio humano seguem de forma indelével. Até quando?
   Na verdade, há sempre pouca coisa que muda, sendo necessário destrinçar o essencial do supérfluo, ainda que seja indispensável que continuem a existir a força das canções de Nick Cave, a firmeza do timbre de Cátia Mazari Oliveira, a profundidade de Adrianne Lenker, a dolência de Rita Costa Medeiros ou a melancolia de Maria Carolina e Hillary Woods. De volta esteve também a voz delicada de Anna Jarvinen. E, como seria se o novo ano trouxesse de volta a dupla Medeiros/Lucas com uma mão cheia de canções? Continuando pelo lado dos ouvidos, cada vez mais o palco como atenção e o prazer da escuta, 
a música ao vivo - Sessa  e Rodrigo Amarante, dois príncipes da palavra,  encheram de corpo e alma a edição do presente ano do Tremor!
         Depois, que se continue a ler e reler por aqui a poesia de Alexandre O´Neill, Sophia de Melo Breyner, Ruy Belo, João Habitualmente, Emanuel Félix ou Herberto Helder. Para lá da poesia, há também os ensaios de Theodore Kalifatides e Mário Augusto sobre a condição de emigrante num presente de muros e fechamentos. E que não se esqueçam os livros de Alberto Manguel, deliciosos de ler, interpretação das narrativas do mundo, quando é o prazer inicial da leitura que se renova, ou ainda a curiosidade em mergulhar nos textos e livros de memórias do Jorge Silva Melo, personalidade enorme do teatro que nos deixou recentemente. Foi também o ano em que o cinema andou menos pelo  ecrã do computador ou na televisão. Recorde-se, por isso, o documentário “Lúcia e Conceição”, de Fernando Matos Silva, no Centro de Artes Contemporâneas – Arquipélago, "Les Açores des Madredeus" e “No País de Alice” de Rob Rombout e Rui Simões respectivamente, na Sala 2 do Teatro Ribeiragrandense, através do Clube de Cinema da Ribeira Grande. Por último, “Lobo e Cão”, longa-metragem da Cláudia Varejão no Cinema Trindade, que é uma belíssima expressão do vital e do diverso, devolvendo à ínsula  o sonho e o fascínio humano. 
            Por fim, a memória de uma visita maravilhosa ao jardim do Palácio Palácio de Sant´Ana, onde me foi dado a conhecer as suas árvores frondosas e vistosas, num passeio rico pela diversidade dos elemento vegetais e florais que remontam à herança de oitocentos, num percurso em que se avistam araucárias, yucas, melaleucas e dragoeiros, para além de um metrosídero que conta com 170 anos de idade oriundo da Nova Zelândia. Tudo o resto é do domínio do indizível. Um feliz 2023!