domingo, 4 de dezembro de 2016

Livros Sobre a Mesa de um País por Desvendar

Fotografia de Carlos Olyveira
Livros sobre a mesa: “ensaios” e “dissertações” de contemporâneos curiosos e atentos ao que se passa em seu redor. Letras lidas por entre cafés e dois dedos de conversa, desse prazer da leitura renovado e, talvez por isso, também acessível à(s) carteira(s).  Neste “Movimento Perpétuo – História das Migrações Portuguesas”, Ana Cristina Pereira acrescenta informação e dá achegas curiosas para esse retrato infindável de um povo viajante em tão redundante constação: “Em Portugal aprende-se depressa que as pessoas não são árvores. Não têm raízes como os plátanos ou as tulipeiras. Aquilo a que se chama território nacional é uma multiplicação de pontos de partida e de chegada. Há dez milhões de pessoas dentro e 2,3 milhões de pessoas fora. Um mapa múndi que se desenha amiúde, por força da necessidade feita vontade”. Será que é mesmo assim? Continuamos a ser empurrados para fora, como se não houvesse alternativa? E, mesmo assim, há que continuar a ler sobre o mar, ou então sobre os nossos pescadores, essa “raça” essencial de um povo, entender porque fazemos parte deste processo misterioso de estar vivo, na esteira de Raul Brandão. Escreve Filipa Melo, numa das páginas de “Os Últimos Marinheiros”: “Os tempos e os homens mudam, mas o fôlego cego e vivo do mar, não. Percebemo-lo à proa, quando ainda no escuro o hálito salgadiço no envolve e o vento, cúmplice, parece puxar-nos para dentro da boca vasta da água em volta. Ali, na ponta do vante, no topo da proa, seguiam, nos navios antigos, as carrancas e os leões da barca. Homens, mulheres, animais ou deuses, esculpidos em madeira maciça, cravados pela cintura no navio. Cortavam com alento o bafo salgado, como se desafiassem o desconhecido”. São leituras como estas que ajudam a compreender esse mosaico de um país que sabemos ainda por desvendar. Precisaríamos de saber ainda muito mais sobre a comunidade cultural e histórica onde vivemos. Estes livrinhos soltos, desempoeirados, pequenos fragmentos sobre o estado das coisas trazem a chancela da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Ainda bem, agradecidos pela leitura e pela beleza de nos sabermos atentos e, por sinal, bem  vivos. 

Ontem, escrito numa parede da cidade

-Esta música eu já conseguiria dançar...

Dezembro à Beira Mar

Fotografia Carlos Olyveira

sábado, 3 de dezembro de 2016

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Penúmbria no Teatro Micaelense

Fotograma de Penúmbria de Eduardo Brito
Penúmbria venceu a edição deste ano do Arquitecturas Film Festival. O filme de Eduardo Brito será exibido, dia 7 de Dezembro, às 21h30, no Teatro Micaelense. Escolhemos o fim de Novembro para conversar com o autor do filme antes da tão aguardada exibição.
Douta Melancolia: No início escutamos na narração: “A verdade é que Penúmbria sempre fora um fim de terra desde a sua fundação, há cerca de duzentos anos. O lugar ficou a dever o nome à sombra permanente, provocada por uma montanha alta e circundante no seu extremo sul.” Que sombra é esta que poderá habitar no espectador deste teu filme?
Eduardo Brito: É a sombra de um local que foi um erro. Ou seja, de Penúmbria, uma cidade imaginada como muito triste: má localização, atmosfera e clima; mas também cidade onde nada floresce. Daí que - premissa inicial do filme - a sua comunidade decide ir-se embora dali, assinalando o lugar como uma distopia. Noutro plano, talvez esta sombra seja o desafio do espaço e da sua leitura - de uma das suas possíveis leituras: como falhanço histórico, antropológico, arquitectónico.
DM:Acabaste de receber o Mikeldi de Oro para melhor ficção no 58º Zinebi  de Bilbao...como foi que tudo isto aconteceu?
E.B: Receber esta distinção é uma grande honra: pelo facto de acontecer logo na estreia internacional do filme, por acontecer num festival mítico como o Zinebi e, claro, pela inegável qualidade de outros filmes a concurso. Dá-me muito alento: o reconhecimento do trabalho é também uma forma de continuarmos a crer no que fazemos - neste caso, a crer em imaginações de cidades.
DM:É sabido que tens vindo com regularidade aos Açores, sobretudo a São Miguel. O que tens andado a fazer por estas paragens? E o que esperas desta projecção?
E.B: Como argumentista, a trabalhar num projecto chamado Hálito Azul, do realizador Rodrigo Areias que tem como ponto de partida Os Pescadores, de Raul Brandão e que decorre na Ribeira Quente. Da projecção, espero que corra bem em termos de som e imagem e que quem a veja, disfrute e compreenda a cidade imaginária de Penúmbria, pese embora a sua tristeza.
DM:Até onde pode ir este filme?
E.B: A proposta de Penúmbria passa, antes de tudo, pela imaginação de um lugar - de uma finisterra. Cria-se-lhe a geografia, a história e as histórias, o som, a arquitectura e a memória. As finisterras são um tema que tenho trabalhado e imaginado muito, seja na escrita, com As Orcadianas, na fotografia, com Passing Place, Sob A Luz Quase Igual e Terras Últimas e agora no cinema. Com Penúmbria quis também debruçar-me também sobre a relação entre texto (narração) e imagem. Mas no início e no fim de tudo está sempre o gosto por uma história, o gosto pela ilusão do cinema.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Uma Janela para o Fim de Novembro

Fotografia Germana Eiriz
         De cabeça e corpo na brecha que dá para a cidade insular e, como tal, não há qualquer regresso possível às ruas da infância onde, por sinal, ainda há quem nos aguarde. A luz do tempo é serena. A acritude foi substituída pela esperança e, talvez por isso, é como se nunca tivesse havido partida para longe ou para sítio algum. A haver errância seria de resignação e permanência. O olhar pousa agora sobre o cinza da paisagem e dos telhados citadinos. Desta feita são as memórias que evitam que o desencanto se instale. Parte-se assim pelo interior dos dias adentro até à indagação de cantos e vozes deste tempo confuso, difuso, repleto de oportunidades por cumprir. Outro tempo é também  enviado pelo Alexandre, exímio guitarrista, que aprendi ouvir desde muito cedo, revelador de trilhos e veredas, que nos esclarece em suplemento de espectáculos  as vias com que agora se cose as malhas da sua criação: “Quanto mais avançamos no tempo, mais recuamos também, porque conseguimos ler melhor, descobrir mais informação sobre as coisas que já passaram há muito tempo, como se elas ficassem mais próximas.” Exagera-se, é certo, e assim talvez se acredite que é fora de portas que escutamos o clamor do mundo, que pressentimos esse coro inquieto de um universo criativo partilhado.
             Em suma, prometemos não recalcitrar do estado das coisas, incutiremos loas à encantadora  noite de sons e luzes que se avizinha. Promete-se ligar os sentidos, todos sem excepção. Respiraremos  mornas, prolongando sabor de cocadas e o verter do "quentão" e do "grogue" num auditório com nome de excelso poeta quinhentista. É testamento e herança de uma cultura que  se vive de forma misturada, alegre, intensa. A cidade, essa, vai descendo o seu cenário até ao mar. E anoitece...

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

domingo, 20 de novembro de 2016

La Voz a ti Debida

Para vivir no quiero
islas, palacios, torres.
¡Qué alegría más alta:
vivir en los pronombres!

Quítate ya los trajes,
las señas, los retratos;
yo no te quiero así,
disfrazada de otra,
hija siempre de algo.
Te quiero pura, libre,
irreductible: tú.
Sé que cuando te llame
entre todas las gentes
del mundo,
sólo tú serás tú.
Y cuando me preguntes
quién es el que te llama,
el que te quiere suya,
enterraré los nombres,
los rótulos, la historia.
Iré rompiendo todo
lo que encima me echaron
desde antes de nacer.
Y vuelto ya al anónimo
eterno del desnudo,
de la piedra, del mundo,
te diré:
«Yo te quiero, soy yo».

Pedro Salinas (1933)

sábado, 19 de novembro de 2016

Ontem, escrito numa parede da cidade

Ao desejo de partir soma-se uma resignada permanência

Morte ao Meio Dia

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

Que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer.


Ruy Belo                                                              

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Bilhete

Fui-me embora, não esperes por mim.
Se alguém der pela falta, diz apenas
que estou bem, continuo a fazer o mesmo
de sempre, trabalho, casa, trabalho, casa.

Só não mintas às filhas, diz-lhes que fui
procurar na distância outra forma de solidão,
talvez convencido de que longe de tudo
poderei vir a sentir falta do que já tenho.


Henrique Manuel Bento Fialho in Estação 2012